fonte: blog Vida & Ação/O Dia

As cenas tristes e deprimentes do bonito e talentoso Fábio Assunção sendo detido por desacato em Pernambuco, atribuído a um suposto ataque de fúria causado pelo consumo de drogas ilícitas – motivação publicamente negada pelo ator – provocaram um debate nas redes sociais sobre a exposição de um drama que afeta milhares de brasileiros: a dependência química. De um lado, aqueles que massacram o ator, o ridicularizam e compartilham, quase que por sadismo o vídeo com as imagens constrangedoras. De outro, e pelo visto, maioria – ao menos em minha timeline – muitos que se compadeceram e se solidarizaram, trazendo à tona discussões sérias sobre a doença de Fábio.

Mas como a família e os amigos podem agir para ajudar e até mesmo proteger o dependente químico? E qual a hora em que ele precisa de ajuda mais efetiva?  ”A hora de procurar ajuda é quando há clara perda de controle comportamental e evidente transtorno de saúde. Toda vez que a pessoa demonstra risco de vida para si e para os outros.  Amigos e família podem ajudar conduzindo a pessoa à assistência médica de urgência ou ambulatorial. O profissional, ao constatar transtorno de risco, deve determinar que a pessoa seja internada”, afirma o psiquiatra Jorge Jaber, especialista em dependência química.

Dados divulgados pela ONU na última quinta-feira (22) mostram que no mundo há mais tipos de drogas e estas estão mais disponíveis e são mais potentes, enquanto o número de consumidores se mantém estável há cinco anos em 250 milhões de pessoas, 5% da população do planeta. Em 2015, 29,5 milhões de pessoas no mundo – ou 0,6% da população adulta global – usavam drogas de forma problemática e apresentavam transtornos relacionados ao consumo, incluindo a dependência.

O Relatório Mundial sobre Drogas 2017, divulgado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), revela ainda que aumentou a situação de risco para a saúde pela diversificação e a potência de novas substâncias.  O número das chamadas NPS (novas substâncias psicoativas) quase dobrou para 483 em 2015, em comparação com as 260 NPS registradas em 2012.  Os opióides (ópio, morfina, heroína e derivados sintéticos) apresentam os maiores riscos de danos à saúde, representando 70% do impacto negativo associado ao consumo de drogas no mundo, segundo o relatório.

Apesar disso, só uma em cada seis pessoas que precisam de tratamento por estes transtornos recebe assistência, a maioria nos países desenvolvidos. Segundo Jaber, o tratamento envolve condutas médicas, farmacológicas, psicológicas, sociais e até religiosas e deve ser feito por equipe multidisciplinar. Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, especializado em dependência química pela Universidade de Harvard e professor da pós-graduação em Psiquiatria da PUC-Rio, ele fala ao Blog Vida & Ação sobre o tratamento e internação compulsória.

1 – A internação involuntária fere os direitos humanos?

JORGE JABER – Em primeiro lugar, sempre tenta-se o convencimento, mas a internação involuntária é um procedimento que se insere na tradição da aplicação da Medicina. Quando a pessoa está doente, o médico recomenda que fique em repouso, não trabalhe, não vá a festas. Se estiver pior, deve ficar no leito. No caso de estar muito grave, vai para o CTI, é submetida a cirurgia, situação em que fica contida. Lembro que quando ainda não havia anestesia, para amputar um membro e salvar sua vida, a pessoa tinha que ser amarrada. Concluímos que conter para tratar não é ato oriundo da perda de direitos humanos, é um recurso da Medicina que deve ser usado em situações-limite em dependentes de crack, infartados, crianças que não querem receber vacinas, etc. O direito à vida, afinal, é o mais importante dos direitos humanos.

2 – O que acontece depois da internação involuntária?

JORGE JABER – Quando a ambulância chega e o médico decide pela internação involuntária para tentar preservar a vida, a lei não permite que a pessoa permaneça internada depois de 72 horas. Se no final desse prazo, o paciente não manifestar transtorno que justifique a permanência no hospital, ele recebe alta. O médico não pode garantir que usuários de crack vão voltar a usar a droga depois de liberados. Se avaliarem que o risco é grande, a família ou o Estado deverão recorrer à Justiça, pedindo que a pessoa tenha internação compulsória, para permitir o tratamento propriamente dito, após a desintoxicação inicial.

3 – Como deve ser o tratamento ideal?

JORGE JABER – Para que o tratamento tenha eficácia, é preciso investir tempo nos cuidados médicos e terapêuticos. Está claro que o paciente, voluntário ou involuntário, precisa em primeiro lugar ser avaliado clinicamente. Ele deve ser levado para consulta, feita prioritariamente em unidade de saúde equipada.

4 – Qual é o passo-a-passo do tratamento do dependente?

JORGE JABER – Os cuidados ao dependente começam com a identificação e o tratamento das doenças clínicas que podem matar uma pessoa em 24 horas. Depois, o paciente deve ser visto por um psiquiatra, porque ele pode apresentar mais de uma doença mental, além do uso abusivo de drogas, ou seja, apresentar o Diagnóstico Dual. A partir da estabilização do paciente, o atendimento deve ter características biopsicossociais. O tratamento deve ter acompanhamento médico, mas ser efetivamente feito por psicólogos e assistentes sociais, além de grupos de mútua ajuda e conselheiros em dependência química. O médico clínico e o psiquiatra são engrenagens que mantêm a estabilidade orgânica e mental para que o tratamento aconteça.

5 – Quanto tempo o paciente precisa ficar internado?
JORGE JABER – Depois dos primeiros dias de detox, o tempo de internação é variável, de acordo com o paciente. Para dependentes de álcool, o tempo fica em torno de três meses. No caso de crack, eu diria que pode ser menos de um ano, em geral seis meses, mas é possível fazer o tratamento completo em três meses de internação, levando em consideração as particularidades de cada um. O ideal é que seja oferecido ao paciente internado um programa com equipe multidisciplinar, boa nutrição, exercícios físicos, terapias alternativas, artes, espiritualidade, grupos de mútua ajuda, e eventualmente medicamentos.

6 – Como é feito o tratamento na Clínica Jorge Jaber, em Vargem Pequena?

JORGE JABER – Oferecemos ao paciente internado um programa com equipe multidisciplinar, boa nutrição, exercícios fisicos, terapias alternativas, artes, espiritualidade, grupos de mútua ajuda, e eventualmente medicamentos. Todas as quintas à tarde, oferecemos ainda atendimento gratuito a dependentes químicos e familiares na Faculdade Gama e Souza, na Barra (marcação pelo telefone 2540-9091)

7 – Como serão as celebrações pelo Dia Internacional de Combate às Drogas, nesta segunda-feira (26 de junho)?

JORGE JABER – O dia será comemorado com muita arte pela equipe e pelos pacientes da Clínica Jorge Jaber, em Vargem Pequena. Da manhã até o fim da tarde, haverá atividades de pintura, mímica, dança, gincana, exibição de filme, com pipoca e debate, tudo envolvendo a questão da dependência química. Neste dia, vamos caprichar na diversão e no prazer de se estar em recuperação. Queremos que o paciente compreenda que é possível ser feliz sem se drogar.

O psiquiatra Jorge Jaber falou ao portal O Dia sobre o caso Fábio Assunção