Aluna: Adriana de Marins Vieira

O uso abusivo e a dependência química de drogas como o álcool, cocaína, crack, maconha entre outras, além de trazer alterações emocionais, traz uma série de alterações físicas e químicas na saúde bucal, dentre elas, as perdas dentárias. Cada substância apresenta efeitos particulares.

Pizzato, em 2008, realizou exames intra-bucais de 22 pacientes do sexo masculino, que possuíam algum tipo de dependência química. Por meio das anamneses dos pacientes, puderam-se observar essas alterações, que tem características peculiares: xerostomia (boca seca), CPOD elevado (índice de dentes cariados, perdidos e obturados), redução da capacidade tampão da saliva (meio sempre ácido com o uso das substâncias), quelite angular (ocasionada por perda de dimensão vertical, falta de dentes), bruxismo (ranger de dentes), perdas dentárias, doença periodontal, halitose e estomatites.

Em estudo realizado em abril de 2015 no CRATOD, 75% dos entrevistados afirmaram terem tido perdas dentárias após o uso de drogas. O álcool, além de causar doenças gastrointestinais, distúrbios vasculares e desordens no sistema nervoso central, facilita a penetração de carcinógenos na mucosa bucal. Esse fenômeno pode ser explicado por meio da solubilização de agentes genotóxicos e pelo aumento da permeabilidade da mucosa não queratinizada, como mucosa jugal e bordo lateral da língua, os efeitos do álcool ( podem apresentar anemia e carência vitamínica, apresenta muito refluxo esofágico acentuada erosão dental, xerostomia).

A associação tabaco e álcool potencializa o desenvolvimento do câncer de cavidade bucal. A leucoplasia, caracterizada por uma mancha ou placa branca na superfície de uma mucosa, desenvolve-se como fator desencadeante do uso frequente de tabaco e álcool , são essas as lesões precursoras do Câncer Bucal,(aumento do fluxo salivar, perda da sensibilidade gustativa, e comprometimento das mucosas orais).

Seguindo o planejamento de ações do Instituto Nacional do Câncer (INCA), através da Divisão de Detecção Precoce e apoio à Organização de Redes, a estratégia das próximas campanhas visa levar informações e esclarecimentos sobre a patologia do câncer de cavidade bucal. Em 2016, a estimativa de novos casos no Brasil foi de 15.490, sendo 11.140 em homens e 4.350 em mulheres. Atribui-se isso, não somente ao tabagismo e ao alcoolismo, mas também às mudanças de hábitos e contaminação por vírus HPV, no sexo oral. É o 5º maior caso de câncer entre homens e o 12º
em mulheres. Alguns dos efeitos negativos do uso de tabaco e as ações necessárias na Odontologia.

Inúmeros estudos têm tentado também elucidar os efeitos prejudiciais da maconha para a saúde, em que a única diferença com o tabaco seria o princípio ativo. Na maconha, o princípio ativo é o THC (Tetra-hidro-canabinol), o
qual prejudica a produção de células de defesa, deixando o usuário com potencial de infecção por imunossupressão. Estando imunodeprimido, relatam-se muitas infecções por fungos, como a Candidíase. A diminuição de fluxo
salivar também é notada em muitos usuários de múltiplas drogas, aumentando ainda mais a sensação de boca seca (xerostomia), e facilitando o desenvolvimento de infecções.

Os usuários de cocaína/crack têm muitas evidências de problemas periodontais, alterações dentais e da mucosa. Foi descrito um relato de caso, no qual o paciente, após insucesso de cirurgia de enxerto periodontal (cicatrização alterada), apresentou recessões gengivais, erosão dental, perda óssea avançada, além de episódios de dor aguda na gengiva – atribuída à fricção do pó de cocaína .

Estudos das décadas de 80 e 90 descreveram as condições periodontais precárias de dependentes químicos.

Desta maneira, evidências indiretas demonstram que essas alterações parecem estar associadas à microbiota bucal (aumento de Lactobacilos, Streptococcus Mutans e Candida Albicans), redução do ph e capacidade tampão. O que leva a crer em tese, que os usuários da droga, apresentam maiores índices de cárie e doença periodontal, também pela precária higiene bucal e pela pouca procura por tratamento periodontal. O fumo por crack causa um calor intenso, além da ação cáustica da droga, possibilitando necrose dos tecidos periodontais, mucosa e dentes. Cabe
salientar aqui também, as altas temperaturas que os cachimbos utilizados para fumar crack atingem, alterando e promovendo alterações celulares na região do lábio inferior. Além disto, promovem desgastes oclusais por abrasão
na região dentária antero-inferior.

Considerando que qualquer paciente – tanto no serviço público quanto no privado – pode ser um potencial usuário de drogas, lícitas ou ilícitas, compete ao cirurgião dentista, durante ao atendimento, observar sinais pontuais
desse uso, tanto no aspecto clínico como no psicológico.

Visando contemplar esse cuidado multidisciplinar, o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas.

Diante dessa realidade complexa, deve-se considerar que a principal via de administração de substâncias psicoativas é a oral.

Dessa maneira, visando a necessidade inicial da estabilização da saúde geral destes usuários, a Odontologia oferece um atendimento primordial na busca ativa de lesões bucais provenientes do uso destas substâncias, colaborando
efetivamente na eliminação de focos infecciosos de origem dentária, possibilitando à equipe estabelecer um planejamento adequado de tratamento ambulatorial.

No âmbito da Odontologia, a qualidade de vida destes pacientes está diretamente relacionada ao nível de dor do indivíduo, à capacidade mastigatória e ao impacto psicológico de sua condição bucal. Dentro destes critérios
clínicos, estabelecemos um planejamento terapêutico sem negligenciar um olhar mais atento aos distúrbios de origem mental, uma vez que por serem pacientes especiais pela própria natureza, são pacientes extremamente
descompensados do ponto de vista clínico, e quaisquer intervenções devem ser executadas
dentro de protocolos clínicos elaborados para o atendimento, possibilitando o menor risco à saúde física e mental destes indivíduos. A saúde bucal é um aspecto importante do tratamento, pois afeta diretamente o conforto, a aparência, e a aceitação social, e em muitos doentes mentais está relacionada a uma baixa auto estima. Buscando a integralidade no atendimento, a inclusão do cirurgião dentista na equipe multidisciplinar de saúde mental é imprescindível para a qualidade de vida desta população.

Fonte: CRATOD – 15 anos. Uma proposta de cuidado ao Dependente Químico.
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A Importância Odontológica na Dependência Química