ALUNA: ROSÂNGELA PEREIRA DA SILVA SOUZA

RESUMO:

A Neuropsicologia, aplicada ao abuso e dependência do álcool, busca a compreensão da relação entre danos cerebrais e seus efeitos na cognição e no comportamento do indivíduo. Estuda, ainda, os comprometimentos neurocognitivos dos pacientes, relacionando-os a achados estruturais e funcionais de neuroimagem (TC, RM, PET e SPECT). No uso agudo, o álcool tende a comprometer a atenção, memória, funções executivas e viso-espaciais, enquanto no uso crônico altera a memória, aprendizagem, análise e síntese viso-espacial, velocidade psicomotora, funções executivas e tomada de decisões, podendo chegar a transtornos persistentes de memória e demência alcoólica. Os déficits cognitivos encontrados nos dependentes de álcool, principalmente das funções executivas (frontais), têm implicação direta no tratamento, tanto para a escolha de estratégias a serem adotadas como para a análise do prognóstico. Ao final do artigo, é apresentado um instrumento útil e breve para rastreio de alterações cognitivas, a Bateria de Avaliação Frontal – FAB.

Descritores: Bebidas alcoólicas.

Introdução:

O uso do álcool está cada vez mais prevalente em nossa sociedade e permanece associado a inúmeros problemas sociais, econômicos e de saúde. Considerando que o álcool é uma substância neurotóxica, é comum a ocorrência de problemas cerebrais nos pacientes, comprovados através das técnicas de neuroimagem (TC, RM, PET e SPECT) não apenas nos primeiros dias de abstinência, mas também meses depois do último uso da substância.
A Neuropsicologia, por sua vez, é uma subárea das Neurociências, exercida por psicólogos, que busca a compreensão da relação entre os danos cerebrais e os efeitos na cognição e comportamento dos indivíduos. Na área de abuso de álcool, tem o compromisso de descrever as alterações cognitivas, comportamentais e emocionais, bem como a qualidade do funcionamento mental, realizar a análise de potenciais, prever o curso da recuperação e estimar o funcionamento pré-mórbido (anterior) dos usuários da substância.É ainda do âmbito da Neuropsicologia a realização de atividades que visem a recuperação ou amenização dos déficits neurocognitivos encontrados nos pacientes, processo conhecido como reabilitação cognitiva.

Efeitos agudos do álcool:

Os efeitos nocivos do álcool no funcionamento cognitivo são bem estudados nos estágios finais da dependência alcoólica. Entretanto, a literatura sobre os efeitos agudos ainda se apresenta reduzida. O abusador de álcool, durante o período de intoxicação, tende a apresentar um estado de confusão mental e diminuição do nível de atenção, bem como déficits na maioria das áreas cognitivas examinadas.

Efeitos crônicos do álcool:

Apesar de alguns abusadores de álcool manterem o nível intelectual praticamente intacto, alterações em várias funções neurocognitivas têm sido descritas, mesmo após períodos em abstinência, o que evidencia os efeitos a longo prazo do álcool no funcionamento geral do cérebro. De acordo com a literatura, esses déficits são piores quanto maior o padrão de uso, existindo um continuum dos bebedores sociais até os dependentes de álcool. As alterações cognitivas variam, desde as alterações leves, encontradas nos abusadores da substância, passando por prejuízos moderados dos dependentes de álcool, chegando até os déficits neuropsicológicos mais severos, como os encontrados na Síndrome de Korsakoff. Há indícios de que, mesmo os bebedores sociais, que ingerem 21 ou mais doses por semana (cada dose equivale a 12 g de álcool), já apresentem alterações neurocognitivas em algumas funções mentais.

Alterações no CPF ( córtex pré-frontal), especificamente no córtex órbito-frontal, são observadas mesmo após meses de abstinência ao álcool e, provavelmente, estão relacionadas a problemas duradouros na atividade gabaérgica e serotoninérgica desta região, que influenciam a tomada de decisões, controle inibitório e o comportamento de buscar novamente o álcool, mantendo o processo de dependência da substância. Para avaliação de rastreio das funções associadas ao CPF, indica-se o uso da Bateria de Avaliação Frontal (FAB), sensível a lesões frontais e recentemente traduzida para ser utilizada com a população de dependentes químicos (Cunha e Nicastri, submetido). As alterações cerebrais decorrentes do consumo crônico de álcool podem chegar a estágios muito avançados de deterioração mental, como no caso da Demência Persistente Induzida pelo Álcool e do Transtorno Amnéstico Persistente induzido pelo Álcool (Síndrome de Korsakoff).

Déficits neurocognitivos e implicações para o tratamento:

Os déficits cognitivos encontrados nos dependentes do álcool têm implicação direta no tratamento, tanto para a escolha de estratégias a serem adotadas como para a análise do prognóstico. Entretanto, a maioria dos programas de tratamento ainda não considera o impacto dos déficits cognitivos na eficácia dos atendimentos, nem emprega técnicas de reabilitação cognitiva para remediar as alterações encontradas.
De acordo com os autores, é possível fazer várias interpretações clínicas a partir destes achados. A primeira é de que as funções executivas, que envolvem a memória operativa e inibição do comportamento, são cruciais para o controle do comportamento “automático” de beber e, conseqüentemente, para prevenir a recaída. Além disso, as funções executivas seriam muito importantes para o funcionamento na vida diária, como planejar atividades do dia-a-dia, acompanhar uma conversa, manter e realizar projetos, etc.

Reavaliação neuropsicológica e reabilitação cognitiva de dependentes do álcool:

Os pacientes portadores de problemas cognitivos persistentes ou com quadro de deterioração progressiva do funcionamento mental podem se beneficiar de reavaliações neuropsicológicas periódicas, que permitem a análise sistematizada das mudanças ocorridas no funcionamento cognitivo, indicando os benefícios de um tratamento ou a evolução do estado neuropsiquiátrico. Além disso, a Neuropsicologia dispõe de técnicas de reabilitação cognitiva, que permitem o trabalho adequado destes déficits nos dependentes de álcool, auxiliando-os, inicialmente, a reconhecer as alterações cognitivas como conseqüências do abuso do álcool e, posteriormente, a recuperar as funções ou amenizar o sofrimento e sentimento de inadequação psicossocial. Sabe-se que tarefas de treinamento e reabilitação neuropsicológica podem acelerar, e até mesmo reverter, quadros de alteração cognitiva em dependentes do álcool, contribuindo muito para a aquisição de novas habilidades e para o sucesso do tratamento.

Conclusões:

Vários são os déficits neuropsicológicos encontrados nos dependentes de álcool, tanto no uso agudo, como no uso crônico. As alterações cognitivas pioram de acordo com o tempo de uso e se relacionam diretamente com a aderência ao tratamento e manutenção da abstinência, assim como podem se transformar em transtornos cerebrais permanentes e degenerativos. Entretanto, dependendo de alguns fatores como severidade dos prejuízos, idade e distúrbios clínicos envolvidos, há a possibilidade de recuperação dos problemas neuropsicológicos. A avaliação neurocognitiva pode, por sua vez, ser muito útil para detecção e análise da progressão destas alterações, bem como subsidiar o processo de reabilitação cognitiva e reinserção psicossocial destes pacientes.

Referências:
SCIELO-
1. Pfefferbaum A, Sullivan EV, Mathalon DH, Shear DH, Rosembloom MJ, Lim KO. Longitudinal changes in magnetic resonance imaging brain volumes in abstinent and relapsed alcoholics. Alcoh Clin Exp Research 1995;19(5):1177-91.[ Links ]
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Avaliação neurocognitiva no abuso e dependência do álcool: implicações para o tratamento