Aluno: Valdomero Francisco Vila

A patologia dual é a presença na mesma pessoal duma perturbação adictiva e outra perturbação mental e está relacionada com alterações neurobiológicas e ambientais, envolvidas nos comportamentos de adicção a substâncias e comportamentais. Ninguém escolhe ter uma adicção e esta não se desenvolve em pessoas entregues ao prazer, ao vício ou com “debilidade de carácter”.

Estas Organizações científicas nacionais e internacionais elaboram um decálogo na defesa do conceito de adicção como um problema mental, face a algumas  opiniões públicas que o questionam sem fundamento científico.

Os doentes com doenças mentais, incluindo as adicções, devem ter acesso a um único modelo assistencial multidisciplinar que integre e/ou coordene a rede de saúde mental e a rede de adicções, evitando assim o chamado “síndrome da porta equivocada”.

Devido a considerar-se a adicção como uma perturbação mental/cerebral, produziram-se medidas preventivas, abordagens terapêuticas e políticas de saúde pública eficazes para a sua abordagem. Os comportamentos adictivos constituem uma perturbação mental, como foi demonstrado pela investigação científica e neurociências. Existem processos neurobiológicos e ambientais envolvidos nos comportamentos adictivos tanto a substâncias (tabaco, cocaína, cannabis, álcool…), como comportamentais (jogo, sexo, alimentação). Porém, apesar de entender a adicção como perturbação mental/cerebral, ter conduzido à criação de medidas preventivas, abordagens terapêuticas e políticas de saúde pública eficazes, este conceito continua a ser questionado por alguns coletivos, como asseguram a Sociedade Espanhola de Patologia Dual (SEPD), a Fundação de Patologia Dual e a Associação Mundial de Patologia Dual (WADD).

“O motivo que leva a que se questione a adicção como uma perturbação mental poderá ser,  entre outros, o desconhecimento dos mecanismos neurobiológicos subjacentes a estes comportamentos, que a investigação em neurociências começa a esclarecer”, como explica a Dra. Nora Volkow, diretora do National Institute on Drug Abuse (NIDA) nos Estados Unidos da América. Na sua opinião “O conceito de adicção como uma perturbação da mente/cérebro, desafia valores profundamente arraigados na opinião pública, sobre a autodeterminação e
responsabilidade pessoal no uso de drogas pelas pessoas adictas como um ato voluntário e
hedonista”.

1- Recentemente, algumas opiniões publicadas sem fundamento científico, questionam os avanços das neurociências e atribuem ao doente adicto a responsabilidade de comportamentos prazerosos e, em ultima instância, viciosos. A este respeito, a SEPD e a APPD querem esclarecer que: ”Ninguém escolhe ter uma adicção”. Os fatores sociais põem em contacto a população com as drogas ou substâncias, contudo, são os fatores individuais que determinam a vulnerabilidade à adicção.

Só 10% das pessoas expostas a substâncias virão a ter uma adicção e, dentre estas, a grande maioria sofre, para além da adicção, de outra perturbação mental, apresentando o que se chama patologia dual. “Nem todos os que consomem têm adicção, e o que a sofre não a escolhe”, explicam estas associações.

Por tudo isto, a SEPD, a Fundação Patologia Dual, a WADD e a Secção de Patologia Dual da Associação Mundial de Psiquiatria (WPA) elaboraram o seguinte decálogo:

1- As adicções constituem, segundo as atuais classificações internacionais da Organização Mundial de Saúde e da Associação Americana de Psiquiatria (CID e DSM) uma perturbação mental como outras, e não um problema de vontade, falta de “carater” ou vicio, daqueles que os sofrem.
2- A comunidade científica identificou as evidências que apoiam o seu reconhecimento como uma perturbação de clara base cerebral, tal como as outras doenças mentais, tendo dado lugar ao chamado “modelo da adicção como doença do cérebro”.
3- Como nas outras perturbações mentais, as atuais classificações permitem uma valorização dimensional das adicções: leve, moderada ou grave. Neste ultimo caso, poderá haver dependência fisiológica e a sua evolução pode ser crónica e com frequentes recaídas.
4- Somente 10% das pessoas em contato com substâncias ou situações com propriedades adictivas, sofrerão de uma adicção. Essa percentagem da população exposta a substâncias ou a situações adicitivas, desenvolverão uma perturbação de saúde mental chamada Perturbação por Consumo de Substâncias e/ou Adicção. Estas pessoas apresentam suscetibilidade e vulnerabilidade devido a fatores individuais, genéticos, psicopatológicos e ambientais.
5- As adicções apresentam-se, na sua grande maioria, associadas a perturbações mentais, situação clinica reconhecida e denominada Patologia Dual, que surgem em, pelo menos 70%, segundo estudos epidemiológicos espanhóis e internacionais, dados que, com as evidências atuais, estarão provavelmente infradiagnosticadas. As perturbações mentais de qualquer tipo cursam em mais de 50% dos doentes, com usos problemáticos ou adictivos de substâncias. As atuais evidencias cientificas indicam que não se trata de duas perturbações diferentes, mas de distintas manifestações clinicas que interagem e se apresentam, de acordo com as circunstâncias individuais e ambientais, de forma conjunta ou sequencial, independentemente de se apresentarem, primeiro uma ou outra.
6- Os estudos epidemiológicos não incluem as adicções comportamentais ou adicções sem substância, como a perturbação por jogo e outras, reconhecidas agora como equivalentes, pelas suas semelhanças clinicas e neurobiológicas, com as perturbações adictivas com substâncias. Sem dúvida, também estas adicções se desenvolvem em pessoas vulneráveis e com outras perturbações mentais.
7- As perturbações adictivas e a patologia dual podem estar associadas a outras doenças médicas, como as infecciosas por exemplo, formando parte integrante do próprio processo de patologia dual.
8- O efeito das substâncias com capacidade adictiva é diferente, às vezes
antagónica, em grupos diferentes de pessoas, o que integra na patologia dual, o conceito de Medicina de Precisão ou personalizada para tratar os doentes.
Assim, o enfoque da patologia dual permite um tratamento bio-psico-social personalizado, centrando o tratamento nas pessoas e não nas substâncias.
9- Os doentes com perturbações mentais, incluindo as adicções, devem ter acesso a um único modelo assistencial multidisciplinar que integre e/ou coordene a rede de saúde mental e a rede de adicções. A existência como até ao presente, de duas portas, adicções e saúde mental, para um único doente, conduz ao que foi chamado de “síndrome da porta equivocada”. Todos os doentes têm direito a ser adequadamente avaliados por profissionais especializados e a receber uma assistência integral em patologia dual, baseada nas evidências científicas. A existência de duas redes assistenciais não é suficientemente eficaz nem eficiente e deixa muitos doentes sem diagnóstico de patologia dual, como ficou claro no estudo epidemiológico de Madrid, e portanto sem acesso a um tratamento integral.
10- O conceito de patologia dual, baseado na neurociencia14, ciência de carater marcadamente multidisciplinar, é o único que garante uma abordagem integral destes doentes nas suas vertentes biológicas e, de forma inseparável, como em qualquer outra doença mental, os cuidados psicológicos e sociais.
11- O efeito das substâncias com capacidade adictiva é diferente, às vezes
antagónico, em diferentes grupos de pessoas, o que integra a patologia dual, o
conceito de Medicina de Precisão ou personalizada para tratar os doentes que as sofrem.
O enfoque da patologia dual permite, assim, um tratamento bio-psico-
social personalizado para individualizar o tratamento nas pessoas e não nas
substâncias.
12- Os doentes com perturbações mentais, incluindo as adicções, devem ter acesso a único modelo assistencial multidisciplinar que integre e/ou coordene a rede de saúde mental e a rede de adicções. A existência como até agora de duas portas, adicções e saúde mental, para um único doente, conduz ao chamado “síndrome
da porta equivocada”. Todos os doentes têm direito a ser adequadamente
avaliados por profissionais especializados e a receber uma assistência integral em
patologia dual, baseada em evidências científicas. A existência de duas redes
assistenciais não é suficientemente eficaz nem eficiente e deixa muitos doentes sem diagnóstico de patologia dual, como revelou o estudo epidemiológico de Madrid, e portanto sem acesso a um tratamento integral.
13- O conceito de patologia dual, baseado na neurociência14, ciência de caracter marcadamente multidisciplinar, é o único que garante uma abordagem integral destes doentes nas suas vertentes biológica e de forma inseparável, como em qualquer outra perturbação mental, os cuidados psicológicos e social.
Nos anos oitenta do século passado os doentes com doença mental foram integrados definitivamente no Sistema Nacional de Saúde, com a exceção daqueles que sofriam de forma relevante de adicções, exclusão que discriminou estas pessoas, relegadas a cuidados
em redes diferentes. Por tudo isto, estas sociedades científicas afirmam: “Na abordagem das pessoas com adicções e com patologia dual, devem-se aplicar todos os conhecimentos científicos, tanto da medicina como da psiquiatria e da psicologia atual. O tratamento baseado nas evidências científicas deve centrar-se no doente, ser integral, de qualidade e de livre acesso. Isto
ajudará a não repetir os erros do passado e evitará a estigmatização grave tanto dos doentes como das suas famílias.

Fonte: Associação Portuguesa de Patologia Dual.

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