fonte: R7
Um casal de travestis foi agredido em São Gonçalo, região metropolitana do Rio, na última quinta-feira (11). De acordo com Bianca da Cunha Moura, uma das travestis agredidas, a sua esposa, Bruna Andrade de Cesar, teria sido levada à força por uma empresa de remoções especializadas do interior de São Paulo. Ela informou que a mãe de sua companheira não a aceitava e que teria contratado a empresa de remoção. Segundo Bianca, os enfermeiros que realizaram o serviço agrediram Bruna fisicamente, tiraram o vestido que ela usava em via pública, a obrigaram a vestir roupas masculinas e ameaçaram cortar o seu cabelo.
Bianca explicou que elas tinham se mudado para Minas Gerais há cerca de um ano e meio, devido às agressões verbais feitas por Margarida Carlos Andrade de Cesar, mãe de Bruna, que não aceitava a identidade de gênero da filha. Há cerca de um mês o casal teria retornado então para o Rio, a pedido de Margarida, que teria afirmado estar disposta a se conciliar com Bruna. Chegando em São Gonçalo o casal teria ido morar em uma casa próxima à de Margarida, no entanto, os ataques permaneceram e após uma briga entre mãe e filha, as duas travestis teriam decidido retornar para Minas.
— Quando falamos em voltar, ela ofendeu a Bruna com várias falas transfóbicas, disse que ela não teria condições de ter uma família, que travestis eram drogadas e tinham Aids — relatou Bruna, que também alegou que no dia seguinte, a sua sogra teria procurado sua esposa com o intento de “pedir desculpas”. Apesar disso, na hora e data marcada, Margarida teria aparecido no portão da casa da filha com uma ambulância e dois enfermeiros da empresa “Anjos da Vida – Remoções Especializadas”. Segundo Bianca, a mãe dizia que “iria curar o filho” (sic).
Bianca relatou que quando Bruna chegou ao portão teria começado a gritar por seu nome e a pedir socorro. Neste instante, Bianca afirmou que tentou impedir que sua esposa fosse levada e foi bloqueada pelos enfermeiros, que teriam dito que “travesti para eles era ‘macho’ e que eles não teriam receio de bater” (sic). Desorientada, Bianca solicitou a apresentação de um laudo médico, ou um mandado judicial, ao que ela teria sido respondida que Margarida, como mãe, poderia fazer o que quisesse com a filha.
— Foi um sequestro o que fizeram com minha esposa! Não tinha um médico junto com eles, nem uma determinação oficial, um laudo. A Bruna não era viciada em drogas, não apresentava distúrbios, era uma pessoa normal, estava arrumada pra ir trabalhar! — afirmou Bianca.
Psiquiatra diz que transsexualidade não é patologia
A equipe do R7 entrou em contato com a Anjos da vida – remoções especializadas, que fez a retirada de Bruna, simulando interesse nos serviços prestados e fomos informados que a empresa estava acostumada a fazer remoção de”pessoas com comportamento desviante, como homens que apresentam comportamentos femininos”. O funcionário que atendeu a nossa equipe, identificado como Paulo Rogério, disse ainda que pessoas nessas condições eram encaminhadas para clínicas de cidades do interior de São Paulo, como Taubaté, Pindamonhangaba e Lorena. Paulo Rogério chegou até a citar que recentemente teria enviado um “rapaz” de São Gonçalo para Taubaté. Informou também que a equipe que faz a remoção seria composta por dois técnicos em enfermagem.
Perguntado se seria necessário um laudo médico para realizar o procedimento, Paulo Rogério informou que para o caso de internações involuntárias, como era o de Bruna, era necessário apenas um documento assinado por um dos pais ou de um irmão maior de idade. Ele citou ainda que todo o procedimento era respaldado pela lei 10.216 de 2001. Paulo também afirmou que o Ministério Público é notificado nesses casos. A assessoria MPRJ não conseguiu identificar se houve notificação ao órgão.
Para entender o caso, o R7 conversou com o psiquiatra, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, Dr. Jorge Jaber que esclareceu que apesar de não ser necessário um laudo médico para fazer a internação involuntária, a empresa que faz a remoção da pessoa do ambiente domiciliar deve ter um médico presente no momento da abordagem ao paciente. Ele explicou que o profissional deve examinar quem está sendo levado antes de encaminhá-la para a ambulância, a fim de produzir um documento que justifique o motivo do tratamento de quem está sendo internado.
Dr. Jorge também disse que Bianca tem o direito de pedir um parecer médico, mediante representação legal, sobre a necessidade de internação de sua esposa. Ele informou ainda que a partir disso, a clínica que realiza o isolamento de Bruna deve ser fiscalizada por órgãos como a Anvisa e o Conselho Regional de Medicina, sendo comprovado que o tratamento forçado foi realizado sob condições irregulares, a clínica pode ser fechada em menos de 24 horas.
— Esse relato aparenta ser um caso em que há equívoco, não consta no código classificacional de doenças brasileiro que transexualidade seja patologia, a própria OMS (Organização Mundial da Saúde) se encaminha para a sua despatologização — informou o psiquiatra.
Sem rastro
Solicitada pelo R7 para esclarecimentos, a Anjos da Vida negou que tenha agredido o casal e não quis conversar sobre o caso. Enviamos um e-mail para empresa e não obtivemos resposta. De acordo com o Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) a empresa de remoção não tem registro no Estado. Nossa equipe também tentou contato com a Clínica Futura, instituição de recuperação de dependentes químicos de Taubaté, que aparece relacionada à Anjos da Vida em uma rede social. No entanto não fomos atendidos em nenhum número disponibilizado em sua página na internet. Nossa equipe também não encontrou o registro da clínica no Cremesp.
O Ministério Público do Rio de Janeiro informou que o caso já foi encaminhado para a Promotoria de Justiça de Investigação Penal, que irá conduzir o caso. Bianca registrou boletim de ocorrência nesta noite de quarta-feira (17) na DEAM (Delegacia Especial de Atendimento à Mulher) de Niterói, ela também passou por exame de corpo de delito nesta manhã de quinta-feira (18) no IM