Aluna: Luciana Maria Soares.
Artigo escrito pela Dra. Ana Cecília Marques, coordenadora da Comissão de Dependência Química da ABP, em 07 de dezembro de 2016.
Debate sobre drogas no Brasil.
O Brasil construiu sua política de drogas no início do século 21, por meio de fóruns pelo país afora e com a participação da sociedade civil, dos profissionais envolvidos e da comunidade científica. Vale lembrar que os pressupostos filosóficos, éticos e científicos que a embasam foram escritos e fundamentados nas leis brasileiras, nos levantamentos existentes sobre o cenário à época e nas evidências científicas. A equipe que coordenou os debates em todas as regiões do país coletou dados e tornou realidade um sonho: elaborar um documento factível, que fundamentou a política vigente, composto por vários capítulos. Sua premissa consensual dispõe: o fenômeno das drogas é complexo e só será bem manejado para a diminuição do impacto biológico e psicossocial se for entendido em todas as suas dimensões.
Portanto, a política sobre drogas no Brasil tem dez anos, mas o debate, infelizmente, continua o mesmo: a saúde discute lei, a justiça discute internação, e a assistência social diz que o problema é da saúde. Com esse desvio de competências, esquarteja-se o fenômeno, o que vai nos levar a um quebra-cabeça impossível de montar. A sociedade, por sua vez, fica cada vez mais excluída, sem acesso à informação, à prevenção e, consequentemente, inapta a posicionar-se em relação a assunto de tamanha relevância. Pior: repete-se o mantra de que a guerra às drogas fracassou e defende-se que a descriminalização do porte para uso próprio é direito humano de quem consome. Continuamos na contramão da história, uma parte formada por cegos e outra, por míopes.
A interface com as drogas na história da humanidade sempre existiu, segue cursando em ondas de consumo determinadas pela cultura de cada país, pelos poderes, pelas guerras e pela economia mundial. É cegueira acreditar que uma sociedade ou um Estado conseguem controlar o consumo de drogas entre adolescentes. Basta ver os exemplos da bebida alcoólica e do tabaco. Drogas lícitas para adultos, tornam-se porta de entrada para o comportamento de uso de outras drogas na adolescência, como demonstram estudos há anos.
As instituições da saúde, da justiça, da educação e as organizações governamentais, as não-governamentais e as religiosas não podem esquecer que, quando se posicionam, influenciam a percepção da sociedade. Isso ocorre de forma contundente, principalmente entre os jovens de 15 a 25 anos, período do desenvolvimento humano em que se tem mais saúde. Entretanto, no Brasil, é essa faixa etária que apresenta a maior taxa de mortalidade, sendo parte expressiva dela relacionada ao consumo de bebida alcoólica, droga liberada para uso próprio acima dos 18 anos no país.
No âmbito das drogas, segundo dados recentemente divulgados pela Universidade Federal de São Paulo, para cada dependente de drogas ilícitas, existem, em média, mais quatro pessoas afetadas de forma devastadora, comprometendo, em inúmeras dimensões, uma população de quase 30 milhões de brasileiros. O Conselho Internacional de Controle de Narcóticos, entidade ligada à ONU, emitiu relatório informando que, em apenas seis anos, entre 2005 e 2011, o consumo de cocaína em nosso país avançou de 0,7% para 1,75% da população na faixa entre 12 e 65 anos. Isso corresponde a uma adesão ao uso problemático e à dependência quatro vezes superior à média mundial e 25% maior que a média da América do Sul. Sem falar na interface das drogas com diferentes tipos de violência auto ou heteroinfringida.
De um lado, esbarra-se na enorme dificuldade, em todos os níveis de governo, de se adotar políticas efetivas que foram debatidas por três anos pelo Brasil inteiro e estão previstas na lei; de outro, a cegueira diante de um imenso lobby, muito bem organizado, difundindo a ideia de que a melhor solução seria a completa legalização de todas as drogas, começando pela descriminalização da maconha, como ocorreu em alguns países. Primeiro se descrimina o uso, depois o “pequeno tráfico”, em seguida se legaliza a maconha para uso “medicinal” e recreativo, para finalmente se legalizar todas as drogas… Uma armadilha, principalmente para cegos!
Urge uma discussão mais madura, mais honesta e que leve em conta a realidade nacional sobre como melhorar a política de drogas vigente, debates que, muito além do indivíduo, mirem a sociedade. Da mesma forma, é necessário um estudo aprofundado sobre a ética coletiva a ser adotada por aqui. É indispensável se tomar uma decisão de consenso, sem reinventar a roda, pois somente um conjunto dos atores pode modificar o cenário.
O que a sociedade brasileira quer? Continuar míope para determinadas questões e cega para outras?! Não! O povo brasileiro quer as coisas no devido lugar. Chega de mentiras, de cabresto da indústria das drogas lícitas ou ilícitas. Não queremos ser um “tubo de ensaio” de nenhum governo, nem de nenhuma instituição isolada e autoritária; queremos um estado de direito onde principalmente o direito das crianças e dos adolescentes de NÃO usar drogas esteja assegurado.
Cinco princípios de uma política sobre drogas, humana, integral, para todos
1º – O direito humano é o capítulo mais importante da política, pois os cidadãos, em especial as crianças, têm o direito de viver num ambiente seguro, que desenvolva medidas de redução da demanda e controle da oferta de drogas, tanto em sua família quanto em sua comunidade.
2º – A redução do consumo de drogas deve estar no núcleo dessa política, visto que a melhor forma de reduzir os danos causados pelas drogas é reduzir o consumo.
3º – A prevenção é a parte mais efetiva da política. Muitos esforços devem ser direcionados para aplicar suas medidas.
4º – Uma boa política assistencial deve reconhecer que a dependência é uma doença crônica que se desenvolve no cérebro e que deve ser prevenida e tratada por meio de boas práticas.
5º – O Brasil é o único país do mundo que faz fronteira com todos os produtores de cocaína e, agora, com mais produtores de maconha. Medidas ajustadas para o controle da oferta devem ser ampliadas.
PUBLICADO EM 30 DE JANEIRO DE 2017 .
Fonte. ABP Associação Brasileira de Psiquiatria.