Aluno: Valdecir Sousa.

Um ambiente invalidante pode ser definido como aquele que, sistematicamente, negligencia respostas e/ou responde de forma inapropriada e errática a comunicação de comportamentos privados de uma criança ao longo do seu desenvolvimento. Ou seja, estamos falando da comunicação de experiências privadas que acabam tendo consequências públicas que não proporcionam, para a criança, uma conexão entre a comunicação de comportamentos privados com a estimulação ambiental que a precede, assim como, com as consequências dela. É, em grande parte, aqui que reside o ponto chave do papel dos ambientes invalidantes dentro da complexa transação que compõe o modelo biossocial e que resulta na desregulação emocional. Isso fica melhor explicitado quando analisamos a função dos ambientes validantes. Os ambientes invalidantes acabam por fortalecer o desenvolvimento da organização, naturalidade, adaptabilidade e comunicação das funções das emoções, promovendo, assim, orientação para essas crianças sobre quais respostas são efetivas e adequadas. Em outras palavras, pode-se dizer que os ambientes validantes acabam funcionando como formas de controle não coercitivos por parte dos cuidadores. De forma contrária, os ambientes invalidantes acabam comunicando que as expressões das respostas privadas das crianças são erradas em relação ao ambiente. Isso naturalmente acaba alimentando um ciclo de fuga e esquiva dessas próprias respostas privadas, o que pode acabar funcionando como uma operação abolidora do aprendizado das mais diferentes formas efetivas de comunicação dos eventos privados.

Observados os pontos supracitados, é fundamental ter-se clareza de que ao falar de ambientes invalidantes, está se falando de uma série de possibilidades de interações ambientais que podem resultar em uma “função invalidante”. Nessa linha de raciocínio, Linehan, coloca que a “função invalidante” dos ambientes sociais, particularmente das famílias, inclui três aspectos fundamentais: 1) uma propensão a invalidação das emoções e a inabilidade de modelar expressões emocionais efetivas em seus mais diferentes contextos; 2) uma interação recíproca entre estilos pessoais (da criança e do cuidador) que reforçam a ativação emocional; e 3) um ajuste pobre entre o temperamento da criança e o estilo parental dos cuidadores. Todos esses 3 componentes podem acabar se traduzindo em ações específicas dos cuidadores, como: reagir de maneira extremada a expressão dos comportamentos privados da criança (como, por exemplo, nas situações de abuso emocional), criticar e/ou menosprezar a comunicação desses mesmos comportamentos, minimizar os problemas ou as estratégias de solução de problemas que essa criança possa ter, negligência, abuso físico e abuso sexual. Assim sendo, a intensidade na qual um ambiente invalidante pode se manifestar também é muito variável podendo ser desde aspectos de “superproteção”, o que dificulta com que essa criança desenvolva diferentes repertórios de habilidades, até abuso físico e sexual. Contudo, é crucial se ter clareza de que a constituição de ambientes invalidantes não se dá, necessariamente, porque os pais são “maus” ou porque querem fazer mal aos seus filhos. Muitas vezes essa configuração ocorre por uma relação funcional entre os estilos parentais dos cuidadores e o temperamento das crianças que acabam reforçando seletivamente a desregulação emocional. Essa relação funcional entre como os comportamentos dessas crianças influenciam os seus pais, e vice-versa, pode acabar se traduzindo em um ambiente invalidante quando se têm, prioritariamente, estratégias de controle coercitivas sendo utilizadas pelos cuidadores para lidar com as necessidades e os estilos pessoais das crianças que são discrepantes dos seus. Mas, analisando as consequências em si, primeiramente pode-se observar que pessoas que passaram por ambientes invalidantes ao longo do seu desenvolvimento possuem déficits importantíssimos no aprendizado da nomeação e da regulação da ativação emocional. Ou seja, frente a ativação de uma resposta emocional essas pessoas possuem muita dificuldade em saber ao certo o que elas estão sentindo, assim como de regular a sua emoção para que a resposta comportamental pública seja efetiva para os seus objetivos de longo prazo, levando em conta, também, os de curto prazo.

Por fim, todo esse padrão apresentado sobre o que é invalidação e as suas consequências, nos esclarecem o porquê pacientes que possuam desregulação emocional oscilam entre a inibição e a supressão emocional e a expressão de comportamentos extremados, os quais acabam funcionando tanto como estratégias para regular a intensidade da emoção, como uma estratégia que pode ser efetiva em eliciar, a partir de relações funcionais, suporte ambiental. Contudo, é crucial que se tenha em conta que processos de invalidação são normais na nossa cultura e que é impossível que um ambiente não contenha em si nenhum tipo de resposta invalidante. Inclusive a ideia de que toda a invalidação é um processo que deve ser evitado não é verdadeira. Temos que validar aquilo que é válido e invalidar aquilo que é invadido. Ou seja, validar comportamentos privados ou públicos que tenham como função a aproximação de objetivos de longo prazo e/ou com valores importantes para a pessoa, e invalidar estratégias que impeçam que a pessoa construa uma vida que valha a pena ser vivida. Nesse sentido quando está se falando de ambientes invalidantes justamente está se descrevendo os processos de invalidação daquilo que é válido. Processo esse que quando ocorre sistematicamente de forma transacional com a vulnerabilidade emocional acaba por desenvolver um padrão de respostas caracterizado por: 1) dificuldade ou inabilidade em inibir um comportamento inadequado frente a uma ativação emocional, 2) déficits em alternar o foco atencional diante de uma ativação emocional, 3) déficits em sustentar ações direcionadas a objetivos de longo prazo quando se está em uma ativação emocional, e, 4) dificuldades ou inabilidade em reduzir a ativação fisiológica diante de uma emoção realmente intensa. Finalizando, assim, esse artigo trás uma explicação mais aprofundada de como a desregulação emocional se desenvolve a luz do modelo biossocial, temos, justamente, a expressão da desregulação emocional.

 

Fonte: www.comportese.com

Autor:  Vinicius Dornelles

Psicólogo (PUCRS); Mestre em Psicologia (PUCRS); Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais; Formação em Tratamentos Baseados em Evidênvias para o Transtorno da Personalidade Borderline (Fundación FORO – Argentina); Concluindo o Dialectical Behavior Therapy (DBT): Intensive Training (Behavioral Tech – EUA, Fundación FORO – Argentina); Sócio da International Society for the Study of Personality Disorders (ISSPD); Professor da faculdade de Psicologia da UNISINOS; Coordenador e professor da Especialização em Terapias Comportamentais Contextuais (InTCC); Professor e Supervisor da Especialização em Terapias Cognitivo-Comportamentais (InTCC); Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Personalidade (GEP).

Publicado em: 13/08/2016.

Referências:

Dornelles, V. G., & Alano, D. (2016). Terapia Comportamental Dialética. In: Federação Brasileira de Terapias Cognitivas, Neufeld, C. B., Falcone, E. M. O., & Rangé, B. (Orgs). PROCOGNITIVA Programa de Atualização em Terapia Cognitivo Comportamental: Ciclo 3. (pp 9-51). Porto Alegre: Artmed Panamericana (Sistema de Educação Continuada a Distância), v.1.

Dornelles, V. G., & Sayago, C. W. (2015). Terapia Comportamental Dialética: Princípios e Bases do Tratamento. In: Lucena-Santo, P., Pinto-Gouveia, J., & Oliveira, M. S. (Orgs.). Terapias Comportamentais de Terceira Geração: Guia Para Profissionais. Novo Hamburgo: Sinopsys.

Linehan, M. M. (2010). Terapia Cognitivo-Comportamental Para o Transtorno da Personalidade Borderline. Porto Alegre: Artmed.

Linehan, M. M. (2015). DBT Skills Training Manual (2 Ed.). New York: The Guilford Press.

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Sidman, M. (2009). Coerção e Suas Implicações. Campinas: Livro Pleno.

O que é Desregulação Emocional? O Modelo Biossocial – Ambientes Invalidantes.