fonte: Rede TV!
Neste Janeiro Branco, mês de atenção a doenças mentais, entrevistamos o psiquiatra Jorge Jaber. A conversa aconteceu em sua clínica em Vargem Grande, lugar paradisíaco, com uma paisagem natural ainda preservada na zona oeste do Rio de Janeiro. Na parede de seu consultório, Jorge Jaber coleciona diplomas mostrando uma vasta carreira acadêmica nacional e internacional. Faixa vermelha e branca (graduação acima da faixa-preta) de judô, Jaber contou um pouco de sua jornada no esporte e na medicina. Confira:
Como foi seu início nas artes marciais?
Comecei no judô aos 7 anos de idade na academia do Sensei Mehdi. Era uma figura muito carismática, meu grande ídolo no bairro (Ipanema). Aonde ele aparecia eu queria olhar de perto. Minha família não dispunha de dinheiro para pagar as mensalidades na época, mas com o tempo, o Sensei Mehdi me deixou treinar. Meu primeiro kimono foi minha mãe que fez, e eu sentia vergonha, era diferente do kimono das outras crianças, mas Sensei foi muito bom para mim, posso dizer que ele marcou minha vida para sempre, promoveu autoestima, respeito, gratidão e disciplina. Falecido em 2018, deixou muita saudade e ensinamentos.
*Sensei Georges Mehdi, 9º Dan de Judô, faleceu no Rio de Janeiro aos 84 anos. O francês naturalizado brasileiro chegou ao país na década de 1950 e dedicou 75 anos de sua vida ao aprendizado, aperfeiçoamento e ensinamento da arte marcial.
Qual seu maior ídolo no esporte?
Flávio Canto. Treinei algumas vezes com ele no Sensei, vi nele um espírito adaptado para levar os ensinamentos do judô e da vida. Muito modesto, voltado ao trabalho, então Flávio Canto foi alguém que me marcou bastante, apesar de ter menos idade do que eu. Se eu pudesse ter seguido o caminho que ele fez, teria ficado feliz.
Quais os principais aprendizados das artes marciais?
Promoveu em mim a autoestima. Considero que um dos principais aprendizados que tive desde o início foi cuidar do meu corpo, acordar cedo, higiene pessoal, não usar drogas, enfim, tudo que fosse afetar meu corpo negativamente aprendi a evitar. Sensei frisava muito os valores éticos e morais. Me lembro, por exemplo, de princípios que uso até hoje em palestras de medicina e para jovens: o desenvolvimento individual; você pratica o judô, você aprende a luta para se desenvolver como ser humano, mas só isso não basta – eu falo isso emocionado -, você tem que transmitir isso para outros, que é o princípio do bem estar comum, você tem que fazer com que outros também experimentem o desenvolvimento individual, isso tem uma aplicação moral e espiritual de fazer o bem, mas tem uma aplicação técnica, porque se você domina bem uma técnica, se você não ensinar aos outros, nunca conseguirá aperfeiçoar o que aprendeu. Todos dependemos uns dos outros, a palavra espiritual permeia tudo isso.
Alguma vez usou o Judô para se defender?
Sim, algumas vezes, principalmente em trabalhos, fazendo internações com ambulância. Me lembro em uma ocasião na rua General Glicério de madrugada, um paciente muito forte e descontrolado e percebi que consegui controlar e mobilizar sem machucar, o que é fundamental em alguns casos de internação. Briga de rua, via de fatos, eu nunca tive. Brincando com meus filhos eu uso muito (risos).
Em quem aplicaria um ippon?
Na falta de cuidados da saúde pública. Aqui eu tenho um modelo de saúde privada e convênios, mas o SUS precisa ser protegido.
Como as artes marciais e o esporte podem auxiliar no tratamento da dependência química?
Em primeiro lugar, o dependente químico perde completamente o cuidado com seu corpo, então as artes marciais levam o indivíduo a ter cuidado não só com treinamento físico, mas cuidados com alimentação, entre outros. Segundo, como tem uma forte tendência a humildade, a desenvolver valores espirituais, as artes marciais fazem com que a pessoa doente encontre uma possível saída para aquele “inferno” que ela vive.