fonte: Diário do Rio
“É a economia, estúpido!”. Criada por um estrategista da campanha de Bill Clinton à Presidência dos Estados Unidos em 1992, a frase costuma voltar à baila quando se pretende ressaltar a influência do cenário econômico no humor dos eleitores. Mais de 30 anos depois, adaptada ao contexto brasileiro, ela serve como base para antever um quadro com o qual, cedo ou tarde, teremos que lidar no Brasil: o aumento nos casos de distúrbios mentais, principalmente entre os jovens, fruto da crescente disseminação da maconha recreativa e das apostas online no país.
Não é um exercício de adivinhação, e sim de lógica e análise de conjuntura. A indústria da cannabis movimenta cifras bilionárias mundo afora, e o Brasil, tanto pelo número de consumidores quanto pela extensão de terras apropriadas e clima favorável para o cultivo da planta, tem tudo para ser protagonista nesse cenário. O mesmo vale para as apostas: um país com milhões de pessoas em dificuldades financeiras e com baixo nível de escolaridade – ansiosas, portanto, por um golpe de sorte salvador – é um mercado atraente demais para escapar imune desta onda.
Enfim, como diria o esperto estrategista, “é a economia, estúpido”! Os interesses do capital acabam atropelando a legislação, primeiro pela desobediência pura e simples e depois pela sua mudança, como vemos em qualquer filme sobre a Lei Seca nos Estados Unidos, e é muito provável que a flexibilização nesses dois crescentes mercados ocorra no Brasil. Nesse contexto, não é difícil imaginar um aumento do consumo da maconha e do número de apostadores entre nós, com efeitos para os quais, sem preconceito ou alarmismo, precisamos nos preparar.
Alguns desses impactos, na verdade, já vêm se manifestando. Pesquisa recente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo sobre os hábitos de pessoas que já fizeram apostas esportivas online mostrou que 49% delas aumentaram a frequência de jogos entre 2023 e 2024. Um comportamento, na maioria dos casos, longe de inofensivo: 63% dos entrevistados comprometeram parte da renda com a atividade, abrindo mão de gastos em roupas, comida e até medicamentos. A cesta básica trocada pela remota perspectiva de lucro rápido e fácil.
Este descontrole, ainda de acordo com a pesquisa, atinge 28% dos apostadores entre 18 e 24 anos, contra 5% dos entre os 55 e 64 anos. A causa da discrepância pode estar na imaturidade ou nos rendimentos modestos da maioria das pessoas desta faixa etária. A sensação de algum tipo de perda com os jogos, porém, não escolhe idade: 63% dos entrevistados admitem já ter usado mais do que deveriam da renda principal em apostas, 24% deles com “certa frequência”. Frustação que, em determinados casos, pode levar a transtornos psíquicos.
Maconha em excesso também aumenta a chance de desenvolver distúrbios mentais, e a experiência do Canadá e dos 27 estados norte-americanos que legalizaram seu uso recreativo é mais uma evidência desse fato. Segundo o último relatório da ONU sobre drogas, as hospitalizações e tentativas de suicídio relacionadas ao uso da cannabis aumentaram consideravelmente na região. Mais um ponto a considerar no debate sobre a planta, que, vale lembrar, pode levar à dependência – assim, diga-se de passagem, como o jogo.
Temos visto, nas duas casas do Congresso, uma certa resistência a essa onda liberalizante, espelho da opinião de boa parte da sociedade sobre o tema. Há, porém, fortes interesses em sentido contrário, que podem, como em vários países, prevalecer também por aqui. Diante da possibilidade de regras mais tolerantes para a maconha e os jogos online, e dos problemas que isso inevitavelmente nos trará, investir em uma robusta rede de prevenção e atendimento aos transtornos mentais e de dependência é, com o perdão do trocadilho, uma boa aposta.
* Jorge Jaber, psiquiatra, membro fundador e associado da International Society of Addiction Medicine, associado da New York Academy Of Sciences, da American Psychiatric Associations – APA e da World Federation Against Drugs – WFAD