O consumo de álcool representou um gasto de quase R$ 19 bilhões para o Brasil em 2019, numa conta paga por todos nós, inclusive os abstêmios. Num mundo em que o desempenho da economia às vezes parece mais relevante do que as condições de vida da população, mostrar o prejuízo no bolso talvez ajude a jogar luz sobre o problema, frequentemente ignorado por governos de todas as ideologias e pela própria sociedade em geral. O tema envolve enormes interesses econômicos e costumes arraigados, mas seu impacto inspira uma análise cuidadosa e ações individuais e coletivas.

Desse valor, pouco mais de 5% foram dispendidos em hospitalizações e procedimentos ambulatoriais no Sistema Único de Saúde. O grosso das despesas – quase R$ 18 bilhões – veio da redução da produtividade na economia, provocada pelas aposentadorias prematuras e mortalidade precoce, além da perda de dias de trabalho, com reflexos diretos em nossa já combalida Previdência Social. Além disso, o alto consumo de álcool e outras substâncias químicas entre os jovens prejudica sua capacidade de aprendizado e, consequentemente, seu futuro desempenho profissional.

A pesquisa parte de outro dado alarmante, também de 2019, extraído do último relatório da Organização Mundial da Saúde sobre drogas: naquele ano, tivemos quase 105 mil mortes atribuíveis ao álcool no país, 86% delas de homens. Nem sempre por causas diretas, como problemas hepáticos, cardiovasculares e câncer: a embriaguez também pode levar a incidentes fatais, como violência, acidentes de trânsito, afogamentos, em uma lista extensa, que inclui um item particularmente doloroso – o suicídio.

Sim, há evidências da relação entre o uso de bebida e a decisão de interromper a própria existência. Estudo recente promovido em quatro cidades do interior paulista mostrou que 92,68% das vítimas de suicídio tinham altas concentrações da substância no sangue, principalmente nos casos que envolviam métodos mais violentos, como armas de fogo e objetos cortantes. Os homens, novamente, estão no topo da lista, com mais de 85% dos registros, a maioria entre 18 e 23 anos, em mais uma fonte de preocupação com o equilíbrio emocional de nossos jovens.

Ainda de acordo com o relatório da OMS, nosso consumo de álcool foi de 7,7 litros por habitante. Mais baixo, felizmente, do que os 8,6 de 2010, mas superior ao da América (7,5) e aos 5,5 da média global. Para deixar o cenário ainda mais sombrio, esse exagero não é exclusividade de um grupo restrito, e nem faz parte do passado: segundo o Ministério da Saúde, 20,8% dos brasileiros utilizaram álcool de forma abusiva em 2023. Se considerarmos a possibilidade de subnotificação, esse percentual pode ser ainda maior – e o problema, idem.

Não há, claro, respostas simples para a questão. Iniciativas como o Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo, celebrado em 18 de fevereiro, são úteis na conscientização sobre o problema, mas não o resolvem. Os governos devem agir, e o exemplo de países como Islândia, Suécia e França, que tiveram êxito nessa luta com medidas que combinam regulação rígida, preços elevados, programas educativos e restrições à publicidade, pode nos servir de norte.

Precisamos, também, mudar a percepção geral sobre o álcool. Cenas como a de pais incentivando os filhos a beber, como num rito de passagem para a vida adulta, são inaceitáveis, bem como a venda do produto para menores. Também é importante estar atento a sinais como dificuldade em controlar o consumo, perda de horários e compromissos, esquecimentos e mudanças repentinas de humor, entre outros, e buscar apoio médico rapidamente. É indispensável, enfim, destacar que as bebidas alcoólicas não são inofensivas. Não se trata de demonizá-las, mas de entender que elas podem provocar graves danos à saúde física e mental – e até ao bolso – dos brasileiros.

*Jorge Jaber é psiquiatra pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), membro da Academia Nacional de Medicina

Fonte: Diário do Rio

Consumo de álcool e o impacto na saúde, na economia e na sociedade brasileira