fonte: Diário do Rio

por Dr. Jorge Jaber

“Alô, alô, marciano
Aqui quem fala é da Terra
Pra variar, estamos em guerra…”

O extraterrestre a quem Elis Regina, interpretando a canção “Alô, alô, Marciano”, de Rita Lee e Roberto de Carvalho enviou, há 45 anos, esta mensagem não deve estar surpreso com o que tem visto por aqui. O ser humano continua na maior fissura pelo conflito, pela violência, pelo uso da força como argumento, quase sempre indiferente ao direito e sofrimento de terceiros em nome dos próprios interesses – e, para variar, em guerra. Sem entrar no mérito da questão, é um cenário para o qual devemos nos preparar, pelos prováveis efeitos sobre a saúde mental de muitos terráqueos, inclusive nas regiões ainda em paz.

Sim, a distância física não alivia o impacto de um mundo em que países como Israel, Irã, Rússia e Ucrânia, sob a sombra dos Estados Unidos, trocam acusações, ofensas e mísseis. Além da possibilidade de um confronto nuclear, fantasma que parecia exorcizado, e dos reflexos sobre a economia – inflação, desemprego e escassez de produtos, entre outros –, uma série de fatores emocionais, sociais e neurobiológicos pode provocar um profundo desequilíbrio emocional naqueles que, mesmo a milhares de quilômetros do olho do furacão, seguem o desenrolar dos acontecimentos.

A neurociência ajuda a entender o fenômeno. O ser humano é, em primeiro lugar, programado para reagir à mais longínqua ameaça – caso, certamente, de um confronto entre potências atômicas. Em situações de perigo, o cérebro determina a liberação de cortisol – o “hormônio do estresse” –, que aumenta nossa capacidade de enfrentá-las. Essa injeção extra de ânimo, no entanto, pode alterar nossos sistemas nervoso e cardiovascular, provocando ansiedade, insônia e dificuldades na memória e concentração, entre outros sintomas, além de aumentar o risco de infecções, depressão e diabetes.

O consumo frequente de imagens e relatos de sofrimento e agressividade também pode levar à chamada “exposição mídia-induzida”, termo usado para descrever os danos psicológicos, emocionais e comportamentais sobre indivíduos repetidamente expostos, pelos meios de comunicação, a conteúdos negativos ou traumáticos. Mesmo distante das bombas e mortes de crianças e civis, é possível desenvolver o estresse pós-traumático secundário, com sintomas como pesadelos, irritabilidade, sensação de impotência e medo irracional de tudo e de todos.

A situação é ainda mais grave para aqueles que já passaram por eventos semelhantes, ou para os que têm histórico de traumas anteriores, que podem ser revividos. O cérebro reconhece os gatilhos visuais e sonoros, como cenas de pessoas em fuga e o som de explosões, e muitas vezes entra em estado de hiperalerta. Isso pode levar a explosões de raiva e desconfiança exagerada até em relação a parentes e amigos, além de aceleração cardíaca e respiratória, tensão muscular constante e fadiga física e mental.

Além dos danos a nível individual, qualquer guerra cria ou exacerba cisões sociais. A inevitável batalha de narrativas gera discursos contraditórios, ou mesmo mentirosos, provocando discussões que não raro descambam para agressões de toda natureza e estimulam o clima de ódio e a polarização. Há, ainda, um acirramento da xenofobia em relação aos imigrantes oriundos das nações em conflito, num panorama perturbador até para a “high society” citada na música pela genial Elis.

Após anos de pandemia e crises climática e econômica, as novas guerras podem alimentar o que já vem sendo tratado como “fadiga emocional global”. O quadro exige melhoras no sistema de prevenção e atendimento aos distúrbios de saúde mental, que, como sabemos, têm reflexos diretos na qualidade de vida e produtividade dos enfermos, além de impacto sobre a própria economia dos países. Essa, sim, é uma batalha que o Brasil precisa vencer, e já mostrou que tem as ferramentas e competência para tal.

*Jorge Jaber, psiquiatra, é grande benfeitor da Academia Nacional de Medicina

ARTIGO: Guerras e o Impacto na Saúde Mental Global