fonte: Newmag

“Chocou a web”, como dizem os mais habituados ao mundo virtual. A cirurgia plástica a que a cantora Anitta se submeteu recentemente virou o assunto do momento, pelo menos nas incansáveis redes sociais, a ponto de as buscas pelas imagens do “antes e depois” da intervenção dispararem nas plataformas de pesquisa. Essa verdadeira catarse coletiva detonada por uma decisão de cunho estritamente pessoal – e manifestada tanto em forma de elogios e apoio quanto de críticas, ofensas e até ameaças – não é novidade, mas ainda assim levanta algumas questões importantes.

Não sobre a artista, claro: mais que uma profissional bem-sucedida, trata-se de uma mulher adulta, responsável pelos seus atos e, principalmente, dona do próprio nariz – livre, portanto para modificá-lo quando, como e quantas vezes quiser. Ela exerce, certamente, uma enorme influência sobre seu público, e isso não se traduz apenas em prestígio e lucros, mas também numa enorme responsabilidade, pois tudo que diz e faz serve como espelho para uma infinidade de fãs. Nem por isso, porém, ela deve abrir mão do direito de, dentro da lei, fazer o que bem desejar, inclusive com o corpo.

Isto posto, é possível refletir sobre o episódio. O Brasil ocupa o segundo lugar mundial em número de procedimentos estéticos, atrás apenas dos Estados Unidos. São, de acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, mais de 3 milhões de atendimentos do gênero – cerca de 70% deles envolvendo cirurgias –, boa parte movida apenas pela busca quase sempre inalcançável por um visual dentro dos parâmetros da moda. Que, por sua vez, mudam a cada estação, estimulando uma insana e interminável corrida ao bisturi, nem sempre com o efeito desejado.

O fenômeno pode ser observado sem maiores preocupações, um problema restrito aos que querem e podem pagar por um nariz mais fino ou uma boca mais carnuda, mas também como sintoma de um distúrbio mental com nome e sobrenome: transtorno dismórfico corporal. Caracterizado pela preocupação obsessiva com os supostos defeitos na aparência física, o TDC costuma levar o paciente à mesa cirúrgica, em geral mais de uma vez, pois ele raramente se satisfaz com o resultado e só enxerga um remédio para o “fracasso”: uma nova visita ao médico.

A vaidade nem sempre responde sozinha por essa compulsão, que também ocorre nos transtornos de personalidade, como o borderline ou o narcisista. Pessoas com essas doenças muitas vezes buscam procedimentos estéticos – ou tatuagens, piercings e outros adereços – para regular a autoestima, lidar com a instabilidade emocional ou adquirir prestígio social e respeito dos pares. Distúrbios alimentares como bulimia, anorexia e vigorexia também ocorrem com muita frequência em paralelo a outras enfermidades mentais, como ansiedade e depressão.

Além dessa origem psicológica, o prazer obtido pelas mudanças corporais tem raízes no próprio funcionamento do cérebro, e não somente depois de ver o resultado no espelho. O simples planejamento de uma cirurgia ativa o sistema de liberação de dopamina – não por acaso conhecida como um dos “hormônios da felicidade” –, produzindo uma sensação de euforia. O efeito, porém, dura pouco, e o organismo pede, como nos casos de dependência química, mais uma dose daquele bem-estar, num desejo só satisfeito com uma nova pincelada no visual.

A busca por essas cirurgias, portanto, não deve ser vista necessariamente como fruto da futilidade ou da preocupação natural com a aparência num mundo em que ela conta pontos valiosos, mas como possível sintoma de um distúrbio mental que exige atenção. O ideal é que, principalmente no caso de adolescentes, qualquer mudança no corpo seja acompanhada por um psicólogo, que poderá detectar uma possível fragilidade emocional, cuja solução nem sempre está na ponta do bisturi.

Jorge Jaber, psiquiatra e grande benfeitor da Academia Nacional de Medicina
https://clinicajorgejaber.com.br/novo/

Febre da transformação: vaidade, redes sociais e saúde mental