fonte: NewMag
A morte do cantor, compositor e personagem de reality shows britânico Ozzy Osbourne, aos 76 anos,na última terça-feira (22), provocou uma enxurrada de homenagens ao chamado “Príncipe das Trevas” – como era conhecido por causa do visual sombrio e das referências à morte, guerra, rituais satânicos, vício e loucura nas músicas. Trouxe à tona, também, uma pergunta inevitável no caso de um artista que se destacava tanto pela obra quanto pela sinceridade com que expunha sua problemática relação com as drogas: o uso excessivo de substâncias químicas teria abreviado sua vida, ou afetado sua saúde?
Antes de prosseguir, melhor deixar claro que não se trata de uma questão de conservadorismo ou uma espécie de julgamento moral. Cada um faz o que quer e considera adequado com a própria vida – desde, evidentemente, dentro da lei e sem danos para terceiros –, e isso vale para Ozzy e qualquer pessoa pública. Podemos, porém, tomar sua trajetória como base para uma discussão produtiva sobre o tema. Isto posto, a resposta para as perguntas – com base nas informações oficiais – é “não, sua morte não foi diretamente provocada pelas drogas” e “sim, elas afetaram sua saúde física e mental”.
Segundo fontes médicas e da família, o músico morreu por complicações de uma condição neurológica degenerativa – o Parkinson –, agravadas por uma série de quedas, cirurgias e uma gradual redução da mobilidade – em sua última apresentação pública, há poucas semanas, passou o tempo todo sentado. A doença, em si, não é uma ameaça direta à vida, mas debilita aos poucos o organismo, provocando, por exemplo, acidentes domésticos e dificuldades respiratórias que levam a pneumonias, ocorrências não raro fatais. Esse conjunto de sintomas teria provocado a morte do ídolo.
Não é possível, portanto, atribuir diretamente às drogas a perda do cantor. Não há sinais de overdose ou intoxicação em seus momentos finais, mas o abuso de álcool e outras substâncias – inclusive medicamentos prescritos – ao longo de décadas certamente provocou danos a sua saúde geral, o que pode ter estimulado o surgimento do Parkinson e incrementado seus impactos. Ainda que não haja uma comprovação científica da ligação entre a enfermidade e o uso de substâncias químicas, a redução da imunidade é um claro fator de risco para a manifestação da doença e de seus sintomas.
O próprio Ozzy nunca escondeu esses efeitos. “Nos últimos 40 anos, eu fiquei chapado com bebida, cocaína, ácido, quaaludes, cola, xarope para tosse, heroína, Rohypnol, Klonopin, Vicodin e outras substâncias pesadas…em mais de uma ocasião, eu estava usando tudo isso ao mesmo tempo…o que você vai ler aqui é o que escorreu da geleia que eu chamo de cérebro quando perguntei para ele qual era a minha história de vida”, ele escreve em sua autobiografia, admitindo francamente um dos danos mais comuns do consumo de drogas: a perda de memória.
Ele também falava abertamente sobre a questão da dependência, com a qual conviveu ao longo de quase toda a vida e que reconhecia como uma doença crônica. “A pior parte das drogas não é só o que elas fazem com você, mas o que você faz com os outros. Perdi momentos com meus filhos, faltei como marido. Parar foi a melhor coisa que fiz”, afirmava. Passou por internações e frequentava encontros do Alcoólicos Anônimos em busca da abstinência, nem sempre com êxito mas nunca deixando de admitir que tinha um problema e precisava, sempre com o apoio da família, enfrentá-lo.
Um belo exemplo para milhões de pessoas que, mundo afora, passam pela mesma dificuldade, encarando não somente o impacto físico e emocional da dependência, mas também o estigma e o preconceito que a cercam, muitas vezes retardando ou impedindo a busca pelo tratamento que poderia levá-las de volta a uma vida saudável, feliz e produtiva mesmo sem as drogas. Nesse sentido – além, é claro, do estrondoso talento e sucesso artístico –, a trajetória de Ozzy Osbourne merece todo nosso aplauso.
Jorge Jaber, psiquiatra e grande benfeitor da Academia Nacional de Medicina