fonte: Diário do Rio

Mesmo que não surpreendam, por mostrar somente o agravamento natural de suas conhecidas condições de saúde, as últimas informações sobre o ator Bruce Willis provocaram um certo impacto. Segundo o jornal The Express Tribune, ele já não é capaz de falar, ler ou andar, um quadro praticamente inimaginável em se tratando de uma estrela dos filmes de ação, uma figura associada à força, inteligência e raciocínio rápido. Num caso emblemático como esse, a pergunta é inevitável: o que levou o protagonista de clássicos como Duro de Matar e Armageddon a esta situação, com apenas 70 anos?

Há três anos, sua família comunicou que ele tinha sido diagnosticado com afasia, que provoca a perda parcial ou total da capacidade de se comunicar ou entender a linguagem, impedindo-o de prosseguir a carreira. Em 2023, a condição evoluiu para demência frontotemporal (DFT), que compromete o comportamento, locomoção, fala e personalidade e exige, nos casos mais agudos, cuidado permanente. Willis, por exemplo, tem sido acompanhado de perto pela esposa, Emma Heming, que está lançando um livro, “O rumo inesperado”, sobre o impacto da doença no marido e nos que o cercam.

A DFT não é um transtorno mental, e sim uma doença neurodegenerativa, causada pela deterioração dos lobos frontal e temporal do cérebro. Trata-se, portanto, de um efeito da alteração de determinadas estruturas cerebrais, o que não ocorre necessariamente nas enfermidades de fundo emocional. A confusão entre elas é comum e compreensível, pois alguns sintomas iniciais dessa demência se parecem com os da depressão, esquizofrenia, burnout, bipolaridade e outros distúrbios psíquicos, o que não raro retarda ou gera equívocos no diagnóstico, com potenciais danos ao bem estar do paciente.

É preciso, portanto, muito cuidado com essas semelhanças. Sinais precoces de DFT como falta de empatia, impulsividade ou desinibição sexual, apatia constante, comportamento repetitivo ou obsessivo, alterações de linguagem e inadequação social podem facilmente ser vistos – até por profissionais – como efeitos, respectivamente, de transtorno de personalidade antissocial, bipolaridade, depressão grave e psicopatia ou consumo de drogas. Esse erro ocorre mais frequentemente entre adultos jovens, que não costumam sequer cogitar a demência como uma possível ameaça à saúde.

Esta, porém, é outra marca cruel da DFT: a ocorrência relativamente alta, em comparação a outros tipos de demência, nas faixas etárias mais baixas. Entre os 40 e 49 anos, por exemplo, a taxa é de até dois casos novos por ano a cada 100.000 habitantes,      o dobro dos números do Alzheimer entre pessoas com a mesma idade. Há, inclusive, registros em indivíduos entre 30 e 39 anos, em que a manifestação de outras doenças deste gênero é próxima de zero. Portanto, mesmo sendo a DFT relativamente rara, é hora de, sem alarmismo, acrescentá-la – até os jovens – no radar da prevenção.

Isso não significa, claro, a necessidade de uma corrida ao neurologista. Estamos longe de uma epidemia de DFT. Vale, porém, prestar atenção aos sinais – sem confundi-los com os de transtornos psíquicos – e ao histórico familiar: até 40% das ocorrências têm raiz genética. Em caso de suspeita, exames de imagem cerebral são indicados, até para ajudar a diferenciá-la de outras possíveis causas de demência, como o Alzheimer. Manter o corpo e mente em atividade, com alimentação saudável e pouco ou nenhum uso de drogas, também ajuda a preservar nosso órgão mais precioso: o cérebro.

A jornada de Willis e sua família, em especial a esposa, que cuida dele em tempo integral, é um retrato público de todo o sofrimento psíquico que essa enfermidade provoca, não só ao doente, mas também àqueles que o amam e cercam. Ansiedade, exaustão física e emocional e depressão são impactos cada vez mais comuns, e quase nunca visíveis, entre os que se dedicam a essa missão. Que o drama do ator, a quem expressamos nossa solidariedade e empatia, jogue luz sobre o elo entre doenças neurodegenerativas e saúde mental. Afinal de contas, cuidar do cérebro, em todos os sentidos, também significa cuidar das emoções, dos vínculos e da própria dignidade humana.

Bruce Willis: um alerta pela prevenção da DFT