fonte: NewMag
Quando se fala de saúde, tanto no cuidado individual quanto na elaboração de políticas públicas, é preciso avaliar o todo, não se reduzindo às partes. Tratar o corpo sem pensar na mente é inútil, e vice-versa; da mesma forma, aplicar os frequentemente escassos recursos materiais e humanos com base apenas nas demandas pontuais de cada estado ou município é muitas vezes sinônimo de desperdício e ineficiência. Esse olhar abrangente também vale para as sempre louváveis campanhas como a Semana Nacional do Trânsito, que em 2025 trabalha com o tema “Desacelere – seu bem maior é a vida”.
A iniciativa, repito, deve ser aplaudida e incentivada, e um dos seus focos em 2025 – a proteção aos mais vulneráveis no trânsito, principalmente os motociclistas – é mais do que acertado, diante das estatísticas oficiais. De acordo com o Atlas da Violência divulgado em maio, o Brasil registrou em torno de 13,5 mil mortes envolvendo esses veículos em 2023, contra 12 mil no ano anterior – quase 40%, portanto, das aproximadamente 35 mil vidas perdidas no trânsito naquele período. Efeito direto, segundo especialistas, da explosão no número de motos em todo o país.
Esses e outros dados sobre a verdadeira batalha travada nas ruas e estradas brasileiras reforçam a urgência desta e outras eventuais campanhas voltadas à conscientização de condutores, passageiros e até pedestres – que também fazem parte dessa intrincada equação – sobre as boas práticas no trânsito. Estimular a utilização de equipamentos obrigatórios como capacete e luvas e oferecer noções de direção defensiva e da própria legislação é realmente crucial, mas essa barbárie no asfalto tem uma outra causa, significativa mas nem sempre enfatizada nas campanhas: o uso de álcool e drogas ao volante.
Segundo um estudo do Cisa (Centro de informações sobre saúde e álcool), em 2022 foram registradas 5.321 ocorrências com motoristas sob efeito de bebida nas nossas rodovias federais, com 204 mortes, mais de 3.000 feridos e cerca de 32 mil autuações por embriaguez ao volante. O panorama não é mais agradável entre os motociclistas: pesquisa do Hospital das Clínicas de São Paulo mostra que 21,3% das vítimas de acidentes de moto relataram o uso de álcool ou drogas ilícitas antes da ocorrência. Atitude irresponsável que certamente prejudicou sua atenção e capacidade de dirigir.
Desnecessário elencar outros números sobre o tema. Episódios do gênero, que se repetem com frequência revoltante nas capitais e pequenas cidades brasileiras afora, são mostrados à exaustão nos jornais. Como num filme repetido e sem graça, temos quase sempre o mesmo protagonista no carro que fura o sinal em alta velocidade, nas motos que atropelam pessoas na calçada ou nos ônibus e caminhões desgovernados que esmagam outros veículos: uma pessoa entorpecida ao volante. Como coadjuvantes sempre involuntários, as vítimas e suas famílias, num sofrimento sem fim.
Trata-se de um quadro intolerável, até para os mais insensíveis à dor alheia. A perda precoce de vidas nos tira, além da convivência com nossos entes queridos, talentos e competências que farão falta ao mercado de trabalho e à própria Previdência Social, que arca com indenizações e aposentadorias. A rede pública de saúde, destino da maioria das vítimas, também sente o impacto da indispensável atenção a essas emergências, bem como os que esperam na fila por atendimento a outras enfermidades. Um prejuízo, como se vê, não só significativo como dividido por todos que pagam impostos.
Contra esse descalabro, a conscientização não tem mostrado suficiente. É um caminho possível, mas de longo prazo. Reprimir e punir são palavras um tanto quanto fortes, mas os próprios resultados da Lei Seca, que reduziu o número de acidentes desde sua instituição, em 2008, mostram que o risco de prisão ou multa vem inibindo a arriscada, irresponsável e criminosa mistura entre substâncias entorpecentes e direção. Já temos uma legislação rigorosa; falta aprimorar os meios para cumpri-la, com mais recursos para equipamentos e equipes de fiscalização. Com a palavra, as autoridades.
Jorge Jaber, psiquiatra e grande benfeitor da Academia Nacional de Medicina