fonte: NewMag
Talvez você não tenha ouvido falar sobre a morte do jovem Adam Raine, mas não precisa se sentir desinformado. O episódio, apesar de impactante – um garoto de 16 anos que comete suicídio depois de meses expressando a intenção em conversas com a Inteligência Artificial –, passou praticamente em branco no noticiário e nas redes sociais, que geralmente dão destaque a casos do gênero. O silêncio quase absoluto incluiu algumas plataformas de pesquisa que, até poucos dias, não respondiam às perguntas sobre um caso que poderia servir de alerta para pessoas em situação semelhante.
Vale a pena, portanto, nos debruçarmos sobre a tragédia, até para ajudar a impedir novos episódios do gênero. Adam era um adolescente comum, fã de basquete e videogames, brincalhão e amoroso. Em 2024, um problema de saúde o obrigou a estudar em casa, e ele começou a usar o ChatGPT para tarefas escolares. Tudo parecia transcorrer bem: ele tinha boas notas, ia à academia com o irmão mais velho e deveria voltar às aulas presenciais em breve. Em abril, no entanto, sua mãe o encontrou enforcado no armário do quarto, sem ao menos um bilhete explicando o gesto desesperado.
Em busca de respostas, o pai vasculhou seu celular, encontrando trechos perturbadores no histórico de conversas de Adam com o aplicativo. Ele vinha expressando o desejo de tirar a própria vida há tempos, chegando a discutir a melhor maneira de fazê-lo com o ChatGPT, que, segundo a ação judicial movida pela família, não tentou demovê-lo da ideia com a ênfase necessária num momento como aquele. Pelo contrário: chegou a sugerir os termos de uma carta de despedida – que nunca foi escrita – e oferecer informações detalhadas sobre métodos específicos de suicídio.
Não cabe, aqui, um julgamento sobre a responsabilidade do aplicativo em relação à morte de Adam – em trechos da conversa, inclusive, ele orienta o adolescente a buscar ajuda. É preciso, porém, encarar o caso como mais um exemplo da necessidade de, além de debater a ameaça das redes sociais ao nosso equilíbrio emocional, falar mais abertamente sobre o suicídio. Ainda considerado tabu ou visto como um drama que só se abate sobre outras famílias, o tema nem sempre é tratado com a profundidade que os dados de instituições como a Organização Mundial da Saúde sobre o tema exigem.
A entidade estima que mais de 720 mil pessoas tiraram a própria vida em 2021, ano de suas últimas pesquisas. Isso representaria, portanto, uma em cada 100 mortes no planeta, mais da metade entre pessoas abaixo de 50 anos, e 73% deles em países de baixa e média renda. O suicídio foi a terceira causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, e, para cada tentativa fatal, há cerca de 20, felizmente, fracassadas. Os números estão em queda, mas nem por isso deixam de preocupar: pelo ritmo atual, a meta de redução de 33% dos casos até 2030 não será atingida, inclusive no Brasil.
Em 2022, registramos mais de 16 mil mortes por suicídio, o que nos coloca num nada honroso nono lugar no ranking mundial em números absolutos. Nos relativos, ocupamos a 71ª. posição, com cerca de 13 óbitos a cada 100 mil habitantes. As ocorrências cresceram 43% no Brasil entre 2010 e 2019, e o cenário na adolescência impressiona, com aumento de 81% no período. Pela maior tendência a comportamentos violentos e acesso a armas de fogo, entre outros fatores, a taxa entre homens é 3,7 vezes maior que a feminina, o que, por si, deveria ser outro motivo de reflexão.
É urgente, portanto, jogar luz sobre o tema, objetivo do Setembro Amarelo, campanha de conscientização e prevenção ao suicídio. Muitas vezes, é possível identificar a tempo pessoas em risco e, assim, evitar um novo caso. Um passo crucial nesse sentido é divulgar informações confiáveis, sempre com base na ciência, sobre esse grave problema de saúde pública que, de uma forma ou de outra, afeta toda a sociedade. Pedimos, assim, licença para abordar novamente essa pauta na próxima semana, mostrando que o combate a essa tragédia cotidiana está ao alcance de todos.
Jorge Jaber, psiquiatra e grande benfeitor da Academia Nacional de Medicina