fonte: NewMag
Apesar de o preconceito que ainda cerca os transtornos mentais, a percepção da sociedade sobre o assunto vem evoluindo aos poucos, e eles finalmente começam a ser vistos como doenças, e não como meros frutos da preguiça ou caráter fraco, como já foi comum. Essa mudança é resultado, em parte, das sempre louváveis campanhas de esclarecimento à população, mas também da consciência cada vez maior de que os efeitos dessa epidemia – definição da própria Organização Mundial da Saúde (OMS)– não se limitam aos pacientes e suas famílias, pois acabam afetando o desempenho da economia do país.
Em 2024, por exemplo, o INSS concedeu quase 473 mil licenças médicas por distúrbios psíquicos, num aumento de 68% em relação ao ano anterior e de mais de 100% em uma década. Essa alta, segundo especialistas, se deve tanto a questões individuais, quanto ao impacto da Covid-19, quanto a fatores estruturais, como o crescimento da oferta e a evolução dos diagnósticos de depressão e ansiedade, além das mudanças profundas e rápidas no mercado de trabalho, que criam um cenário de permanente desafio – ou mesmo de ameaça – para os profissionais, com reflexos em sua saúde mental.
Esses afastamentos, segundo dados do próprio Instituto, duram em média três meses, e atingem mais as mulheres, que representam 64% dos casos, e, só em despesas diretas para a Previdência, ou seja, com o pagamento de benefícios temporários por incapacidade (auxílio-doença), o valor estimado é de R$ 3 bilhões. A conta não termina aí: a perda de produtividade, gastos com contratação, treinamento e salários de outro funcionário e pagamento de médicos, hospitalizações e medicamentos custam entre seis e 12 bilhões, que também recaem, de uma forma ou de outra, sobre o bolso de todos nós.
Mesmo não levando a uma licença ou aposentadoria precoce, enfermidades como ansiedade e depressão muitas vezes acabam afetando o desempenho do trabalhador e, consequentemente, da empresa. O absenteísmo – faltas ou atrasos frequentes, justificados ou não – cresce, e, mesmo quando não se ausenta, o funcionário não desenvolve suas tarefas com a atenção e vontade de antes, no fenômeno conhecido como presenteísmo. Física e mentalmente esgotado, se arrasta até o trabalho, mas sua produtividade despenca e seu estado de ânimo acaba prejudicando até a dos colegas.
Boa parte desses transtornos é provocada por uma mistura de sobrecarga ou longas jornadas de trabalho, pouca autonomia ou controle sobre as tarefas, pressão por resultados, falta de reconhecimento, assédio moral, lideranças autoritárias, discriminação e medo do desemprego, e o estigma que paira sobre essas doenças impede que muitas pessoas falem sobre o problema com seus superiores ou busquem ajuda, com medo do rótulo de fracas ou incapazes. O silêncio alimenta o sofrimento, e os sintomas se intensificam, num círculo vicioso cada vez mais difícil de romper.
A legislação trabalhista vem tentando se adaptar a esse contexto, incluindo os riscos psicossociais – como estresse, assédio moral e sobrecarga – entre os itens obrigatórios de avaliação e prevenção por parte das empresas. Com isso, elas devem monitorar o impacto de seus processos no bem-estar geral dos empregados, além de capacitar seus gestores para identificar sinais de sofrimento emocional entre a equipe. A criação do Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, um reconhecimento para empresas com boas práticas em relação ao assunto, é outra boa notícia.
Os empresários devem estar atentos a este quadro, olhando o investimento na saúde mental dos colaboradores não somente como um ponto a mais na carteira de benefícios, mas como um estímulo à produtividade, com reflexo até nos lucros. Incorporadas na prática diária, medidas como programas de apoio psicológico, com aconselhamento e psicoterapia, campanhas internas contra o estigma, criação de canais de escuta ativa e flexibilização, quando possível, do trabalho, promovendo o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, certamente ajudarão a modificar esse cenário preocupante, com benefícios para as empresas e a sociedade como um todo.
Jorge Jaber é psiquiatra e grande benfeitor da Academia Nacional de Medicina
