fonte: Diário do Rio
por Jorge Jaber
O Rio de Janeiro amanheceu, neste 28 de outubro, sob fogo cruzado. Uma megaoperação policial nas comunidades do Complexo do Alemão e da Penha deixou ao menos 60 mortos: o dobro do registrado na ação do Jacarezinho, em 2021, até então a mais letal da história do estado. Entre os corpos, há suspeitos, inocentes e policiais. Drones usados por criminosos lançaram explosivos sobre viaturas e bases, e moradores relataram horas de pânico absoluto: escolas fechadas, ônibus queimados, famílias trancadas em casa e o som incessante de tiros dominando o dia.
O governador Cláudio Castro reconheceu que o Estado teve sua capacidade de combate ao crime organizada ultrapassada. Pediu ajuda às Forças Armadas que, segundo ele, foi negada. Enquanto o governo federal rebate a versão e as autoridades trocam acusações, milhões de pessoas permanecem reféns do medo. A guerra urbana que se desenrola nas favelas cariocas não é nova, mas atinge agora um grau de descontrole que agride o corpo e, sobretudo, a mente dos que a vivem de perto.
O impacto psicológico desse cotidiano de violência é devastador. A exposição constante ao medo, ao barulho dos tiros, ao risco de perder um parente ou um vizinho, é uma ferida invisível que se instala em crianças, jovens e adultos. O trauma não se apaga com o cessar dos disparos. Segundo o Censo de 2022, mais de 16 milhões de brasileiros vivem em favelas e comunidades urbanas, lugares onde a guerra é rotina e o estresse, permanente. Esse cenário, somado à precariedade de serviços públicos e à falta de perspectivas, cria terreno fértil para o desenvolvimento de transtornos mentais como depressão, ansiedade e síndrome do pânico.
Entre os que sofrem estão os policiais, submetidos a uma rotina de risco extremo, longas jornadas, baixos salários e pressão constante. O suicídio entre membros da segurança pública é o dobro da média nacional: em 2023, foram 118 casos, um aumento de 26% em relação ao ano anterior. Não há como falar de segurança sem falar de saúde mental: de quem atira, de quem é alvejado e de quem apenas tenta sobreviver entre os dois lados.
Os efeitos dessa epidemia silenciosa ultrapassam as fronteiras das favelas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, os transtornos mentais estão entre as principais causas de afastamento do trabalho no Brasil. Em 2024, somaram cerca de 472 mil licenças médicas, 68% a mais que no ano anterior, gerando um custo de R$ 3 bilhões ao INSS. O preço é pago, em última instância, por toda a sociedade.
Num país que já se acostumou a conviver com o barulho dos helicópteros e o medo de uma bala perdida, é urgente recolocar a saúde mental no centro da agenda pública. Precisamos falar de prevenção, diagnóstico precoce e acesso a tratamento, com políticas integradas entre saúde, segurança e assistência social. A violência urbana, além de ceifar vidas, adoece uma cidade inteira. E enquanto o Rio sangra, a saúde mental de seus habitantes pede socorro.
