fonte: NewMag
“Pois é dando que se recebe”, lemos na Oração de São Francisco. “Há maior felicidade em dar do que em receber”, disse Jesus a Paulo. “Quem é generoso prosperará; quem dá alívio aos outros, alívio receberá”, garante um provérbio bíblico. Há muitas referências, em todas as grandes religiões, ao impacto positivo da generosidade – no budismo, por exemplo, ela é “a primeira das seis perfeições” –, e há bons motivos, mesmo entre os ateus, para não duvidar: a ciência mostra que o altruísmo traz grandes benéficos para a saúde mental, tanto em nível psicológico quanto neurobiológico.
Sim, ações como presentear pessoas queridas, colaborar com instituições de caridade ou usar parte do tempo em serviços voluntários estimulam os sistemas de recompensa do cérebro. Quando praticamos atos deste gênero, neurotransmissores como a dopamina e a serotonina e hormônios como a oxitocina, que regem nossas sensações de prazer, motivação e bem-estar, são liberados com mais intensidade no organismo, num processo visível nos exames de neuroimagem. Há, portanto, uma alteração física no órgão nesses momentos em que de alguma forma nos dedicamos ao próximo.
O cuidado com terceiros, por sinal, parece ser o ponto mais relevante nesse circuito, como se conclui diante dos resultados de um estudo experimental sobre as consequências emocionais dos gastos de moradores de países bem diferentes entre si como Austrália, Brasil, Quênia, Reino Unido e Estados Unidos. Nele, os participantes recebiam 10 mil dólares para usar da forma que desejassem, e aqueles que utilizaram a verba com presentes ou doações relataram níveis mais altos de felicidade do que os investiram em outros tipos de compras, num impacto que se prolongou por meses.
Não é difícil entender o fenômeno, nem seu reflexo direto sobre a saúde mental. A psicologia nos ensina que relações sociais fortes são fatores cruciais para o bem-estar individual, e o ato de presentear alguém, principalmente as pessoas mais próximas, é uma boa estratégia – no bom sentido – para estimular essas conexões. Vínculos se consolidam e surge uma simpática reciprocidade, aumentando a sensação de pertencimento, o que ajuda a identificar a existência de um grupo com o qual podemos contar, num círculo virtuoso que nos protege de distúrbios psicológicos.
As pesquisas também indicam que essas demonstrações de afeto aumentam a autoestima e emoções positivas como alegria e gratidão – tanto em quem recebe quanto em quem dá. Além disso, diminuem o estresse e a chamada ruminação – um ciclo de pensamentos negativos e repetitivos a respeito do o passado ou mesmo do futuro, remoendo eterna e inutilmente problemas, culpas, frustrações e medos reais ou imaginários, num processo que pode levar à ansiedade, depressão e exaustão, gatilhos para distúrbios psíquicos ainda mais graves. Generosidade, portanto, é sinônimo de prevenção.
Antes que os mais afoitos corram para o shopping, é preciso fazer algumas ressalvas. Esses reflexos não ocorrem quando o presente é uma obrigação – o tradicional amigo oculto do trabalho, por exemplo – ou é usado, de forma consciente, como instrumento de controle ou culpa. Em resumo, não pode ser uma moeda de troca, atalho para ascensão social ou ganhos pessoais: seus eventuais benefícios estão ligados à intencionalidade genuína, nunca a interesses particulares. Além disso, deve ser proporcional às condições de quem presenteia, sem gerar endividamento ou dificuldades financeiras.
Vale, ainda, lembrar que nem toda doação envolve dinheiro. É possível, por exemplo, dar atenção a um amigo que precisa desabafar, ou exibir sua veia artística num hospital infantil. Há muitos meios de exercer a generosidade e o desprendimento, e esses gestos, evidentemente, podem se repetir ao longo dos 12 meses do ano – o que também valerá, claro, para a sensação de bem-estar emocional que eles proporcionam. Com essa postura mais altruísta, o desejo de uma vida melhor e mais harmoniosa para todos ficará ainda mais próximo. São nossos votos neste Natal.
Jorge Jaber é psiquiatra e grande benfeitor da Academia Nacional de Medicina
