fonte: NewMag
A tragédia ocorrida no Cefet na semana passada, quando um orientador educacional da instituição tirou a própria vida depois de matar a tiros uma diretora e a psicóloga da escola, levanta, mais uma vez, o debate sobre duas questões que continuam a nos assombrar, mas que nem sempre têm relação direta entre si: misoginia e saúde mental. O atirador, segundo a imprensa, estava sob licença devido a problemas psiquiátricos, e há tempos agia de forma agressiva e perturbadora com as colegas, que acabaram solicitando sua transferência para outro setor, o que teria o enfurecido ainda mais.
A associação imediata entre um crime possivelmente motivado pelo ódio às mulheres e o suposto transtorno psíquico do atirador é tentadora mas, na grande maioria dos casos, errônea e preconceituosa, fruto da desinformação que ainda envolve esses distúrbios. A literatura sobre o tema é clara: eles não são uma justificativa cabal para o feminicídio, e a grande maioria dos responsáveis por essa barbaridade não é diagnosticada com qualquer uma dessas enfermidades. É preciso cuidado, portanto, para não lançar sobre seus portadores um julgamento precipitado, cruel e até perigoso.
Impossível, no entanto, ignorar por completo a hipótese de que o autor dos disparos poderia estar sob algum nível de desequilíbrio psicológico, não só no momento do ataque às vítimas, mas também ao longo de meses, talvez anos, de sofrimento emocional. Não se trata, aqui, de tentar defendê-lo, mas de chamar a atenção sobre um quadro que ele talvez enfrentasse: a falta, ou pelo menos carência, de serviços de diagnóstico e tratamento para essas doenças na rede pública, que, apesar de alguns avanços na estrutura e do esforço dos profissionais, ainda não atende à demanda.
Que, aliás, é crescente. Num país ainda marcado por enorme desigualdade, com sérias deficiências em áreas fundamentais como segurança e educação e muitas pessoas em grande dificuldade financeira, quando não na miséria, o equilíbrio emocional é diariamente desafiado. Não por acaso, 9,3% dos brasileiros sofrem de ansiedade, segundo a Organização Mundial da Saúde, e somos o quarto colocado em número de estressados. A própria percepção sobre o assunto mostra seu alcance: 54% da nossa população apontam os distúrbios mentais como a mais grave questão de saúde no Brasil.
Esses índices não devem melhorar a curto prazo, pois a misoginia – outro gatilho para a ocorrência de transtornos mentais, e que, tudo indica, teria motivado o duplo assassinato – continua firme entre nós, inclusive nos ambientes profissionais. Trabalhando num clima permanente de medo e ameaças, veladas ou não, sempre pressionadas a provar sua capacidade, em especial quando exercem cargos de liderança – caso das vítimas do Cefet –, e muitas vezes sendo as únicas responsáveis pelo sustento e educação da família, as mulheres acabam abrindo a porta para esses distúrbios.
Diante desses e outros fatores – entre eles, a polarização política, que não dá sinais de arrefecimento –, não será surpresa se os problemas psíquicos ganharem ainda mais peso no Brasil. Isso significa, além de uma população adoecida e em intenso sofrimento físico e emocional, uma carga extra sobre a já insuficiente rede de atendimento médico, que certamente se refletirá na rapidez e qualidade de seus profissionais – e, claro, nos custos do sistema, o que inclui despesas com licenças e aposentadorias precoces decorrentes dessas enfermidades. Um impacto coletivo, a ser pago por todos.
Diante dessa perspectiva, temos duas propostas. Uma, institucional: exigir melhorias nessa rede. A segunda, individual: cuidar da própria saúde, com alimentação equilibrada, atividade física regular, pouco ou nenhum álcool e tabaco, exames periódicos, e – essencial – atenção aos sintomas: mudanças bruscas no humor, cansaço e tristeza extremos e permanentes, alterações emocionais, no raciocínio ou no comportamento e ideação suicida, entre outros. A prevenção é crucial para afastar a doença, ou pelo menos reduzir seus efeitos. Uma atitude, no final das contas, benéfica para todos.
Jorge Jaber é psiquiatra e grande benfeitor da Academia Nacional de Medicina
