fonte: Infovital
A luta contra as drogas está longe de ser um problema novo. Há décadas, governos de todo o mundo se mobilizam contra essa batalha, inclusive o Brasil. Porém, nos últimos anos — de 2009 até agora — os números de pessoas internadas pelo uso dos psicotrópicos aumentou, segundo apontou o AuditaSUS, o portal de dados do SUS.
As drogas psicotrópicas são aquelas que têm atração para atuar no cérebro, modificando nossa maneira de sentir, de pensar e , muitas vezes, de agir. Mas não se fala apenas de drogas ilícitas: há psicotrópicos regulamentados e que podem causar problemas igualmente como os remédios para dormir.
Os dados dão a dimensão do tamanho do problema: a porcentagem de internações pelo SUS por conta do uso de múltiplas drogas saltou de 28%, em 2019, para mais de 41%, em 2021. Os números estão atrás apenas do álcool que, no intervalo, caiu de 60% para 44%, como mostra o gráfico abaixo:
Quase metade das pessoas que se internam por dependência química, pelo SUS, são por usarem mais de uma droga – o que mostra uma alarmante realidade e traz questionamentos sobre as medidas que foram adotadas até então no país.
A droga no corpo
O Dr.Jorge Jaber, psiquiatra, membro fundador da International Society of Addiction Medicine, além de presidente de uma clínica de reabilitação que leva seu nome, no Rio de Janeiro, explicou o que acontece no organismo após o uso de psicotrópicos.
“Quaisquer drogas, sejam elas lícitas, ilícitas, até mesmo medicamentos, são venenos em potencial: usados indevidamente, podem levar até a morte. Elas atingem as células, as menores partículas de nosso organismo, afetando assim todos os órgãos do corpo humano, inclusive os neurônios e, dessa forma, o cérebro. Podem, assim, causar estragos em todo o corpo, provocando até transtornos mentais”, explica.
O médico também levanta um ponto sobre o efeito da dependência química no círculo social da pessoa: “No caso da dependência, há uma complicação extra: ela não atinge apenas o paciente, mas também as pessoas que o cercam. Costumo dizer que a droga não é uma doença contagiosa, mas contagiante e, justamente por isso, precisamos urgentemente de ações preventivas contra elas. Além, claro, de programas de tratamento”, complementa o Dr. Jorge.
O efeito pandemia
O isolamento social imposto pela pandemia do coronavírus pode ter contribuído para o aumento do uso de drogas em 2020 e 2021. Não só pelos prejuízos causados na saúde mental, mas também pela falta de procura por uma assistência profissional.
A presidente da Associação Brasileira de Estudos sobre Álcool e outras Drogas (ABEAD), Dra. Alessandra Dihel, comentou esse cenário.
“Até esperávamos que o aumento do uso de psicotrópicos acontecesse, por todo o contexto. Obviamente com o aumento da demanda, houve o aumento das prescrições de psicotrópicos. Mas o que me preocupa é que tem uma porcentagem da população usando remédios, como os indutores do sono, talvez por uma prescrição inadequada ou por uma questão do que chamamos das ‘farmácias domésticas’, muitas pessoas tomaram remédios da tia, da avó, e isso ficou claro nos consultórios”, disse a doutora.
Ela ainda cita outro ponto, que colabora com o uso indiscriminado dos remédios que podem causar dependência: “Poderia ter tido um controle melhor da venda desses remédios. Por mais que haja a venda controlada, um paciente pode ir a diversos médicos e pegar diversas receitas. Uma outra questão que está atrelada a isso é o baixo preço. São medicações extremamente baratas e isso é um apelo muito forte para a pessoa”.
Seguindo a mesma linha, o Dr. Jorge Jaber conta sobre como a vacinação tem feito com que as pessoas possam buscar mais ajuda: “especialmente depois do maior alcance da segunda dose da vacina contra a Covid, o que parece ter dado mais confiança às pessoas para sair de casa e buscar tratamento. Isso não somente em relação ao uso de drogas, mas também aos transtornos mentais, até porque uma doença leva a outra”.
Drogas e a saúde pública
No caso do uso de drogas ilícitas, outra discussão vem à tona: as drogas são um problema de segurança ou de saúde pública?
Mesmo com a polarização sobre o assunto, a presidente da ABEAD afirma que é um enfrentamento de frente ampla e que atinge diversos aspectos da sociedade.
“O combate às drogas, sem dúvidas, é uma questão de saúde pública. Obviamente a dependência química envolve outras esferas, mas é preciso focar também na prevenção. Nosso país não tem essa ‘cultura preventiva’, os programas ainda são muito tímidos nessa questão, é preciso aumentar o envolvimento da população como um todo, passando pela educação, pela segurança pública, a empregabilidade, cursos para ressocialização, mas não se deve deixar de lado a saúde”, enfatiza a Dra. Alessandra Dihel.
O Dr. Jorge Jaber completou: “A dependência química é uma doença, com causas físicas e emocionais, e deve ser tratada sob esse viés. Desta forma, a luta contra ela passa pelo mesmo caminho que as outras: esclarecimento, prevenção e, claro, o tratamento em si. Tudo isso depende de recursos públicos destinados à saúde. No caso específico do Brasil, em que o número de casos vem aumentando significativamente, é preciso que esses recursos cresçam na mesma proporção. Temos profissionais de alto nível prontos para atuar nessa área, mas a grande maioria da população não tem acesso a eles”.
Comunicação e as drogas
As drogas ainda são tratadas como um tabu na sociedade. Pouco se fala e se discute sobre elas. Quanto mais diálogo existir sobre o tema, maior serão as chances de uma pessoa evitar o uso.
“Cerca de 40% das pessoas no Brasil têm ‘antipatia’ de conviver com um usuário de substâncias, segundo uma pesquisa de 2009 feita pelo jornalista Gustavo Venturi. É um dado interessante e ao mesmo tempo triste. É preciso saber que algumas pessoas estão adoecidas pelas substâncias e, obviamente, isso impacta na busca de tratamento”, disse a Dra. Alessandra.
Ela ainda sugere uma comunicação mais abrangente e que fuja de termos comumente usados pela população: “Palavras que muitas vezes são usadas no dia-a-dia, como ‘vício’, ‘viciado’, ‘nóia’, produzem estigmas a serem superados. A forma de comunicar, quando é colocado nesse tom pejorativo, colocando o sujeito como esse ser marginalizado, pode atrapalhar”, finaliza.