fonte: Diário do Rio

A recente internação para tratamento psiquiátrico de um delegado da Polícia Civil do Distrito Federal que atirou na esposa, em uma empregada e, logo depois, na enfermeira do hospital em que buscava atendimento para o filho – também ferido no incidente – despertou mais uma vez a atenção sobre a saúde mental dos integrantes de nossas forças de segurança.

Segundo o Sindicato dos Policiais Civis do DF, o atirador passava por um “episódio de surto psicológico” no momento do crime, estando, inclusive, afastado do trabalho devido a transtornos emocionais. Ainda assim, manteve a posse das duas armas utilizadas no ataque.
Independente dos futuros desdobramentos do caso, o importante nesse momento é, além de torcer pela completa recuperação das vítimas, fazer uma análise mais aprofundada das condições em que nossos policiais – civis ou militares, de todas as patentes e cantos do país – exercem dia após dia a ingrata tarefa de garantir a segurança dos demais cidadãos, ainda que, muitas vezes, colocando a própria em risco. Um cotidiano geralmente violento e sempre estressante, agravado pela falta de preparo, baixos salários, jornadas extensas e pela falta de reconhecimento – ou preconceito puro e simples – sobre a categoria como um todo.

A leitura do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 nos dá uma boa dimensão dos efeitos desse quadro. Segundo o estudo, a maior causa de mortes entre esses profissionais no país é – acredite se quiser – o suicídio, cujas taxas cresceram 26,2% nos últimos dois anos, enquanto as de vítimas dos chamados CVLI´s (Crimes Violentos Letais e Intencionais) caíram 18,1%. O cenário é especialmente grave em relação aos policiais militares: em 2023, por exemplo, 110 deles tiraram a própria vida, enquanto 107 a perderam em confrontos – 61, em plena folga – contra traficantes, milicianos e outros criminosos.

Trocando em miúdos, o maior risco para os responsáveis pela manutenção da ordem em nossas ruas não é o bandido com uma arma na mão, e sim seus fantasmas internos. Não surpreende, portanto, que casos de ansiedade e depressão – potenciais gatilhos, por sinal, para o suicídio – se manifestem com frequência cada vez maior entre eles. Isso tem impacto sobre a própria eficiência e produtividade das corporações, devido às ausências injustificadas e afastamentos do trabalho por transtornos mentais no setor de segurança. Só no estado de São Paulo, por exemplo, eles provocaram 1.647 licenças médicas para policiais militares entre janeiro de 2020 e abril de 2021.

Impossível não associar esse panorama cruel e insalubre a outra questão preocupante: os recorrentes casos de violência policial no Brasil, não raro marcados pela agressividade gratuita e até letal contra cidadãos muitas vezes desarmados, indefesos e sem a menor ideia de que estão sob suspeita. Nada justifica, claro, esse tipo de comportamento por parte de um agente do Estado – pelo menos em tese, um funcionário público – , que deve ser investigado, julgado e punido com rigor, mas também é preciso, como se diz no jargão jornalístico, ouvir o outro lado. Tentar, pelo menos, entender o que transforma esses seres humanos em verdadeiras bombas-relógio.
É possível que parte desses atos indefensáveis tenha raízes no desequilíbrio mental que, como vimos, vem atingindo em cheio a categoria, fruto de fatores estruturais e conjunturais que cedo ou tarde teremos de enfrentar.

Não se trata, claro, de usar os distúrbios psicológicos como habeas corpus para os crimes cometidos pela corporação, mas de encará-los como uma de suas possíveis causas e, a partir daí, trabalhar na prevenção. O tema é delicado e não raro envolve mais paixão do que razão, mas precisamos discuti-lo com calma e serenidade se realmente desejamos uma polícia eficiente, confiável e respeitada no Brasil.

*Jorge Jaber é psiquiatra pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), membro da Academia Nacional de Medicina

Artigo do Dr. Jorge Jaber no Diário do Rio: Saúde mental e a crise na Segurança Pública