fonte: NewMag

Nenhuma agressão – física, verbal ou psicológica, não importa o tipo ou a intensidade – é aceitável. Toda forma de violência precisa ser denunciada, combatida, repudiada, investigada, julgada e punida com todo rigor. Não há justificativas ou explicações minimamente plausíveis ou aceitáveis – muito menos atenuantes – para qualquer ataque a outra pessoa, principalmente às mais frágeis ou indefesas. Ao presenciar ou mesmo tomar conhecimento de uma dessas manifestações de covardia, qualquer cidadão tem o direito, até o dever, de intervir ou relatar o fato à polícia para as devidas providências.

Tendo deixado claro o total repúdio a qualquer comportamento do gênero, podemos analisar sob a luz da Medicina o chocante espancamento de uma mulher pelo namorado dentro de um elevador em Natal, num caso – mais um, infelizmente – que revoltou o país. Não se trata, vale repetir, de buscar numa suposta doença a origem da quase inacreditável brutalidade, mas de tentar entender o que detona tamanha explosão de fúria – até para, quem sabe, colaborar na prevenção de novos episódios lamentáveis como esse, evitando os impactos físicos e emocionais sobre todos os envolvidos.

Além de fatores culturais e sociais – machismo, baixo nível de escolaridade e problemas financeiros, entre outros –, a agressão contra a mulher pode ter raízes em distúrbios mentais. Eles não devem ser vistos como causa direta ou desculpa para a barbárie, mas podem estar associados a comportamentos agressivos e descontrolados – ao sempre doloroso ciclo da violência, enfim. É preciso, portanto, superar o preconceito e falar sobre essas enfermidades e seus sintomas para facilitar a identificação da doença e estimular a busca por tratamento o mais cedo possível. Antes, talvez, de uma nova tragédia.

A propensão à agressividade, descontrole ou atitudes impulsivas pode ser provocada, por exemplo, pelos transtornos de personalidade antissocial, narcisista ou borderline. Falta de empatia, tendência à manipulação e ao desrespeito às normas sociais, baixa tolerância à frustração e a ameaças à autoestima, instabilidade emocional e relações interpessoais intensas e conflituosas são algumas das marcas dos portadores desses distúrbios, que costumam reagir de maneira desproporcional frente a eventuais problemas, mesmo cientes das possíveis consequências danosas desse comportamento.

O uso excessivo de drogas – mesmo eventual, não necessariamente com diagnóstico de adicção – também pode detonar a violência, pois muitas delas provocam a desinibição dos impulsos, inclusive os agressivos. Não se deve, claro, generalizar: a maioria dos usuários de substâncias psicoativas e dos portadores de distúrbios psíquicos não é violenta, nem merece ser vista como uma ameaça à segurança de terceiros. Não é sensato, porém, ignorar que adicção e transtornos psíquicos são fatores de risco para a ocorrência de brutais manifestações de ira como o que vimos no Rio Grande do Norte.

Esses episódios são muito mais comuns do que o aceitável, e normalmente atingem as mulheres. Estima-se que 30% das que têm mais de 15 anos já foram física ou sexualmente agredidas por um parceiro íntimo – cerca de um terço delas, de forma recorrente. Em 2024, o Brasil registrou 1.450 feminicídios e 2.485 homicídios dolosos e lesões corporais seguidas de morte de mulheres. Tivemos, ainda 71.892 estupros – 196 por dia. Esses e outros números nos colocam entre os líderes deste incômodo ranking, o que mostra a urgência de ações contra esses absurdos – inclusive preventivas.

O cuidado com a saúde mental, como vimos, é uma delas, e começa pela observação dos sinais de um transtorno que possa desencadear um episódio de violência. Explosões exageradas e imotivadas de raiva, brigas frequentes com colegas, parentes ou desconhecidos, quebra de objetos em momentos de raiva, ameaças, ofensas, intimidações, impulsividade, incapacidade de lidar com frustrações, direção perigosa, gastos excessivos, desrespeito às regras sociais e legais, mentiras constantes e reações emocionais súbitas, entre outros, podem indicar a necessidade de ajuda profissional.

O diagnóstico precoce de um distúrbio mental aumenta muito a chance de, no mínimo, diminuir suas manifestações – alguns não têm cura. Isso pode representar, para o portador de alguma dessas enfermidades, uma sensível melhora na qualidade geral de vida e no próprio desempenho profissional, acadêmico e até afetivo. Além, claro, de permitir que ele retome o controle sobre suas emoções e, principalmente, reações, o que certamente ajudará a evitar novas agressões e até mortes. Procurar apoio não é sinal de fraqueza, e sim de maturidade e preocupação consigo mesmo e com o próximo.

Jorge Jaber, psiquiatra e grande benfeitor da Academia Nacional de Medicina

Violência contra a mulher