fonte: NewMag
No livro “21 Lições para o Século 21”, o historiador Yuval Harari levanta uma discussão interessante: se os responsáveis pela saúde pública mundo afora tivessem acesso em tempo real às pesquisas sobre doenças no Google e outras plataformas digitais, teriam nas mãos um instrumento valioso para identificar, prevenir e enfrentar epidemias e até pandemias como a Covid. Para ele, ao verificar um aumento incomum na busca de informações sobre algum quadro clínico – febre alta, por exemplo –, seria possível antecipar surtos de doenças, otimizando a resposta a eles na rede de atendimento.
Essa coleta de dados, como o próprio autor acrescenta, traria uma série de questões éticas e legais, o que – pelo menos por enquanto – inviabiliza a ideia. Isso não significa, porém, que essas ferramentas devam ser postas de lado. É perfeitamente viável usar as já disponíveis, como o Google Trends, para analisar o interesse por este ou aquele termo de busca ao longo do tempo e por região geográfica. Nas últimas semanas, por exemplo, “ansiedade” foi um tema muito debatido em nossas redes sociais, o que indica um interesse crescente sobre o transtorno e seus sintomas no país.
Interesse, diga-se de passagem, mais que compreensível. O Brasil lidera o ranking global da enfermidade, segundo a Organização Mundial da Saúde, com mais de 18 milhões de portadores do distúrbio – 9,3% da população. Mesmo provavelmente subestimados, considerando a reduzida capacidade de atendimento e diagnóstico da nossa rede de saúde, esses dados mostram a urgência de falar abertamente sobre sintomas e prevenção da ansiedade, estimulando tanto a busca por tratamento quanto a adoção de um estilo de vida que ajude a reduzir sua ocorrência ou minimizar seus efeitos.
A ansiedade é uma resposta normal do corpo ao estresse, mas vira doença quando é persistente, intensa e afeta a vida cotidiana. Um de seus maiores impactos é emocional, provocando medo constante, preocupação excessiva, nervosismo, tensão ou até pânico sem motivo, irritabilidade permanente e dificuldade para relaxar, além de uma sensação de perigo próximo, mesmo sem razão aparente. Dificuldade de concentração, pensamentos repetitivos ou acelerados, autocrítica exagerada e um temor vago de perder o controle sobre os próprios atos também são posturas que merecem atenção.
O corpo também lança sinais. Taquicardia, tremores, respiração ofegante ou curta, tensão muscular – principalmente nos ombros, mandíbula e costas –, suor exagerado, tremores, tonturas, problemas gastrointestinais e no sono, principalmente sem causa orgânica conhecida, podem ter origem no distúrbio. Há, também, mudanças no comportamento: o indivíduo evita situações sociais, multidões ou locais desconhecidos, tem dificuldade para tomar decisões, atrasa tarefas por receio de falhar, confere tudo diversas vezes e não raro aumenta o padrão de consumo de álcool e tranquilizantes.
Vale reforçar que esses sinais não indicam necessariamente um quadro de ansiedade, e sim reações comuns e até desejáveis do organismo aos muitos percalços do dia a dia. A doença só é formalmente detectada quando eles ocorrem quase diariamente, por semanas ou meses, e prejudicam de forma significativa o desempenho social, profissional e afetivo do paciente – tudo isso dentro dos critérios dos manuais de referência médica. Antes, portanto, de interpretar atos ou comportamentos como sintomas da doença, lembre-se que o diagnóstico é tarefa exclusiva de profissionais especializados.
O ideal, claro, é evitar que o distúrbio nos atinja. A prevenção começa com uma rotina mais saudável, com atividades físicas regulares, que aumentam a liberação de neurotransmissores como serotonina e dopamina, o que gera um bem estar geral. Mexer o corpo também reduz os níveis de cortisol, não por acaso chamado de hormônio do estresse. Alimentação equilibrada, sem ultraprocessados, cafeína e álcool e rica em magnésio, ômega-3, triptofanos e vitaminas do complexo B – frutas, ovos, peixes, legumes e grãos, entre outros –, também ajuda, assim como dormir ao menos sete horas por noite.
Outro fator importante é a higiene digital. Limitar o uso das redes sociais é uma boa medida. Elas devem ser usadas de forma intencional, não passiva, desativando as quase sempre desnecessárias e irritantes notificações, que produzem uma sobrecarga de estímulo e normalmente nos fazem perder o foco e a concentração nas tarefas e até nas pessoas que nos cercam. Melhor ainda é cultivar o hábito do “detox digital” – um período totalmente longe delas, o que nos deixa menos sujeitos a polêmicas e discussões sem sentido ou qualquer objetivo prático.
É possível, ainda, usar técnicas de autorregulação, como o mindfulness, que reduz a chamada ruminação mental e a reatividade emocional, e a respiração diafragmática, que ativa o sistema parassimpático e induz ao repouso. Outras terapias, como meditação guiada e relaxamento muscular progressivo, também colaboram na manutenção do equilíbrio mental, assim como uma rede de apoio e vínculos afetivos. Parentes, amigos, meros conhecidos, não importa: é preciso ter relações sociais saudáveis, evitando o isolamento crônico – uma das causas, inclusive, de outros transtornos.
A espiritualidade – não necessariamente a religiosa – é comprovadamente uma barreira contra distúrbios mentais, assim como a arte e a participação voluntária em grupos, projetos, igrejas ou ONG´s. A ciência já provou que a frase “fazer o bem faz bem” é muito mais que um chavão: gestos de amor ao próximo e generosidade ativam áreas de prazer do cérebro, um antídoto natural contra esses transtornos. Esse conjunto de medidas – que, como se vê, não exigem grande esforço – está ao alcance de todos, e certamente fará dos brasileiros um povo mais saudável física e mentalmente.
Jorge Jaber, psiquiatra e grande benfeitor da Academia Nacional de Medicina