fonte: Diário do Rio
Quando se fala em saúde, prevenção é a palavra-chave, orientando tanto as políticas oficiais para a área quanto nosso comportamento no dia a dia. No caso do suicídio, por motivos óbvios, ela é ainda mais crucial. Trata-se de uma tragédia bem mais frequente do que parece, que ocorre independente do sexo, idade, nível socioeconômico ou religião – ou seja, pode acontecer ao nosso lado, às vezes sem aviso prévio. Isso provoca, além da imensa dor nos que ficam, impactos consideráveis para a economia e para a sociedade em geral, como mostram alguns dados sobre a questão.
Cerca de 800 mil pessoas tiram a própria vida todos os anos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, que acredita haver mais de 20 tentativas para cada caso fatal. O Brasil não é exceção, com quase 175 mil mortes entre os anos 2.000 e 2023, e as perspectivas não parecem animadoras: no mesmo período, a taxa de casos por 100 mil habitantes foi de 4,3 para 7,7 –quase 80% a mais. Essa alta foi, em boa parte, puxada pelo crescimento anual de 6% na faixa entre os 10 e 24 anos, o que ajuda a fazer o suicídio a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no planeta.
Por trás dos dramas individuais, temos o das famílias, amigos, colegas de trabalho, enfim, todos que se relacionavam com a vítima. Estudos apontam que cada morte deste gênero afeta direta e profundamente pelo menos seis pessoas, e até 135 outras podem ser atingidas indiretamente, pela tristeza ou sentimento de culpa. Esses indivíduos, principalmente os mais próximos ao suicida, se tornam alvos comuns de transtornos mentais como depressão e ansiedade – que, como sabemos, podem ser gatilhos para a ocorrência de novas tragédias. Um círculo vicioso que muitas vezes passa despercebido.
Além do abalo emocional, há o econômico. Segundo estudo recente com trabalhadores brasileiros de 18 a 65 anos, os custos indiretos acumulados por mortes por suicídio entre 2008 e 2022 ultrapassaram os R$ 26 bilhões.
Essas vidas perdidas, aposentadorias precoces ou longos afastamentos por licença médica também costumam tirar do mercado de profissionais de alto nível, cuja reposição exige tempo e investimento em mão de obra, o que se reflete na produtividade das empresas, com efeitos óbvios como inflação e desemprego. Uma conta, ao final, paga por todos nós.
Outro custo significativo recai sobre nosso Sistema Público de Saúde, que acaba absorvendo a maioria das ocorrências, muitas vezes com internações, cirurgias, exames e outros procedimentos de alta complexidade, com gastos estimados em mais de R$ 3 bilhões entre 2011 e 2022. O impacto não é só financeiro: a atenção a essas emergências desgasta física e emocionalmente as já normalmente sobrecarregadas equipes médicas, além de aumentar a demora no atendimento a outras enfermidades. Impactos muito amplos para um fenômeno que, na maioria dos casos, pode ser evitado.
O primeiro passo nesse sentido é esquecer alguns mitos. Pensar em suicídio não é uma fraqueza ou motivo de vergonha, muito menos exclusividade de pessoas com distúrbios mentais, problemas financeiros e afetivos, em luto ou recém-saídas de traumas, e abordar o assunto com alguém que pareça próximo de cometê-lo não servirá, ao contrário de outra crença arraigada, como estímulo. Para isso, no entanto – e aqui temos um ponto crucial –, é preciso estar atento a um outro equívoco frequente: acreditar que esse gesto extremo ocorre sempre em silêncio.
Potenciais suicidas geralmente manifestam a intenção, em frases como “a vida não tem sentido” ou “quero sumir”, ou brincando com a própria morte. Se isolam, mudam bruscamente de comportamento e humor, esquecem dos cuidados básicos com a higiene e aparência e aumentam o uso de álcool e drogas, além de mostrar-se interessados em armas, venenos, cordas e outros meio letais. Expressam tristeza profunda e permanente, culpa intensa, raiva e agitação sem motivos conhecidos e sentimentos de vazio ou inutilidade, num cenário que não raro os incapacita para qualquer trabalho ou diversão.
É preciso, ainda, atenção a eventuais tentativas anteriores, o maior fator de risco comprovado para o suicídio. Perdas recentes, como luto, separação ou desemprego, e passado de violência doméstica, bullying ou discriminação também podem indicar uma probabilidade mais alta de tirar a própria vida, assim como transtornos psíquicos, principalmente depressão, bipolaridade e ansiedade. Portadores de dependência química ou de enfermidades crônicas ou dolorosas, cujos efeitos muitas vezes incluem a desesperança, são outros protagonistas involuntários desse quadro desolador.
Lembre-se que identificar sinais não é sinônimo de diagnosticar, mas, ao observá-los, leve-os a sério. Uma conversa empática e sem julgamentos ajuda muito. Não tente discutir os motivos do paciente, e sim incentivá-lo a buscar apoio especializado, nos Centros de Atenção Psicossocial (os CAPS, da Prefeitura) ou com um psiquiatra ou psicólogo. Em caso de risco iminente, não deixe a pessoa sozinha: ligue para o 192 ou leve-a a um pronto atendimento. Outro telefone útil é o 188, do Centro de Valorização da Vida, que oferece ajuda gratuita e sigilosa 24 horas por dia.
Divulgar informações sobre o tema é uma das metas do Setembro Amarelo, campanha que desde 2013 atua na conscientização e prevenção do suicídio. O estigma e preconceito que ainda envolvem a questão criam uma barreira entre as possíveis vítimas e o tratamento, que poderia convencê-las de que a vida sempre vale a pena. Esse tabu, infelizmente, ainda provoca muita dor e sofrimento, e ajudar a rompê-lo, discutindo com clareza e profundidade o assunto, é uma tarefa urgente, com a qual todos podem contribuir, e que certamente ajudará a reduzir os números assustadores dessa tragédia.
*Jorge Jaber, psiquiatra, é grande benfeitor da Academia Nacional de Medicina