fonte: G1

primeiro registro do crack no Brasil, publicado pelos jornais, é de 1991. São 26 anos da droga circulando no país, criando dependentes e formando concentrações de usuários nas chamadas cracolândias. Ainda não existe uma unanimidade sobre o tratamento: uso de medicamentos contra recaídas? Política de redução de danos? O G1 ouviu três especialistas e suas experiências sobre como pode ser o caminho contra o vício.

A aproximação

Nem sempre é possível contar com a iniciativa do usuário para sair da situação, de acordo com André Baricela Veras, psiquiatra e professor adjunto do Departamento de Psiquiatria da New York University (NYU). A aproximação para começar o tratamento é o primeiro passo e pode ocorrer de várias formas.

“O primeiro passo ocorre por meio de um contato de saúde mais próximo. Ele deve propor a esse indivíduo algum tipo de atenção e iniciar uma compreensão do que está acontecendo, e só depois conseguir algum tipo de avanço na redução do problema”, disse.

Jorge Jaber, médico membro da Academia Americana de Psiquiatria, lembra que é neste momento em que os agentes diários, profissionais da saúde que trabalham junto aos usuários, atuam com mais eficiência. “Então, é preciso primeiro uma abordagem médica, dentro de um ambiente que já seja reconhecido pelo doente como um ambiente carinhoso. É neste momento que está a sabedoria da psicologia, da assistente social.”

Ex-usuário de crack e hoje pós-graduado em psicologia, Fabian Nacer diz que a abordagem precisa levar em conta como cada paciente pensa.

“Não adianta chegar e falar: ‘Como você está?’, ‘Nossa, você está bem magro’, ‘Você vai morrer’. Nessa hora, eu pensava: ‘Então, me ajuda a morrer logo, não estou nem ligando se eu estou sujo’. A única preocupação é como você vai conseguir a próxima pedra.”

Sobre uma internação compulsória no momento da abordagem, os psiquiatras concordam: é preciso uma avaliação bem pessoal e, nos casos extremos, fazer um laudo e pedir uma decisão da Justiça. “A internação compulsória pode ser necessária, à luz de uma avaliação individual. É uma situação a se evitar, mas é possível”, disse Veras. Os especialistas acreditam que a ação não deve ser uma política pública generalizada.

Acompanhamento

Jaber defende que, depois do convencimento, o paciente seja levado a um médico, antes de um psiquiatra ou psicólogo. “Não é para o tratamento do crack ainda. A maioria das pessoas que estão envolvidas com o uso do crack tem doenças muito importantes, como DSTs, como o HIV, que é muito comum, e estão com doenças infecciosas secundárias. Tuberculose é muito comum, assim como pneumonia”, disse.

Depois, os três especialistas defendem uma avaliação mais pessoal e particular do estado mental para tentar entender qual é o acompanhamento necessário do paciente.

“Quanto mais grave, maior a especialização que a equipe precisará ter para lidar com esses indivíduos”, disse Veras. “Já em casos com menos gravidade, uma conexão com ex-usuários, ou assistentes sociais, já pode ser uma base para seguir sem o uso.”

Na maior parte do tempo, para se manter longe da droga e nos casos mais graves, o paciente é acompanhado por alguns meses, ou até durante um ano, por um psiquiatra, um psicólogo, um assistente social e um terapeuta ocupacional.

“É preciso aproximar o usuário das estratégias de tratamento. O psiquiatra pode propor uma medicação, se necessário, e o psicólogo mostra o problema para o paciente e ajuda a encontrar a solução, por exemplo”, explica Veras.

Jaber afirma que a religião também pode ter um papel importante na recuperação do usuário. “A Associação Mundial de Psiquiatria já tem o departamento de psiquiatria e espiritualidade”, exemplifica. “Ou seja: não é bem só religião, mas é o desenvolvimento da espiritualidade. Entram práticas indianas, e outras práticas. Essas abordagens que não são químicas é que devem conduzir o paciente até uma vida normal”, explica.

Recaída e redução de danos

Durante o processo, a recaída é comum. E, por isso, há a defesa de um acompanhamento próximo, seja em uma clínica e/ou em um hospital pelo tempo que for necessário.

Veras lembra e defende outra forma de combate ao crack. “O tratamento para qualquer substância, apesar de ter no horizonte a intenção de parar, pode não ocorrer só através da interrupção do uso.”

“Uma das estratégias norteadoras é o que a gente chama de política de redução do danos. O indivíduo que usa crack reduz os danos quando encontra um lugar protegido para o uso da droga, com o fornecimento de uma alimentação básica e o acompanhamento dos profissionais de saúde.”

Essa estratégia de manter o uso, ou trocar por uma droga mais suave, em um ambiente controlado, seguro e com acompanhamento é apoiada por mais de 90 países e uma das estratégias recomendadas pela Organização Mundial da Saúde.

Para Nacer, é preciso avaliar o perfil de cada usuário: “Em muitos casos não há como você tratar as pessoas sem a abstinência. Redução de danos funciona pra uma parte, outros saem das drogas até pelo esporte”, explica.

Medicação

Há medicamentos competentes no controle da fissura, a vontade extrema de recorrer à droga. O que os médicos pedem é um uso muito controlado para que um vício não seja trocado por outro e que, em algum momento, a pessoa consiga “caminhar com as próprias pernas” contra o crack.

Jaber é um dos psiquiatras que defende um uso muito controlado de remédios: “Sempre procuramos tirar o máximo o possível porque eu tenho um paciente que já é adicto. Ele já se acostumou metabolicamente a ficar dependente de uma substância.”

Veras e Nacer acreditam no uso como uma das vertentes, mas sem “dopar” a pessoa para evitar a abstinência.

Psiquiatra Jorge Jaber foi ouvido pelo G1 sobre abordagem e tratamento de usuários de crack