Aluna: Eliana Monteiro

O uso de álcool e outras drogas continuam sendo um grande problema de saúde pública, e repercuti de maneira assustadora na sociedade em que vivemos. E quando se trata de gestantes, esse problema ganha ainda mais importância, pois a exposição dessas pacientes às drogas pode levar ao comprometimento irreversível da integridade tanto da mãe quanto do bebê.
Dessa forma, este texto tem o objetivo de abordar as drogas de abuso mais comumente utilizadas durante a gestação.

Existem poucos estudos epidemiológicos relatando os risco da gestação associada ao consumo de drogas; mesmo assim, chama atenção a pouca modificação no comportamento das gestantes em relação ao uso de drogas, tanto no Brasil quanto em outros países (American Academy of Pediatrics, Committee on Substance Abuse, Drug Exposure Infants, 1994; Instituto di Richerche Farmacologiche Mario Negri, 1991).
O diagnóstico desse problema deve ser feito durante a anamnese em consulta pré-natal; no entanto, muitas vezes, ele acaba ocorrendo apenas durante a investigação de infecções, como a hepatite e o vírus da imunodeficiência humana (HIV), visto que são exames obrigatoriamente
solicitados durante consulta pré-natal no Brasil e estão amplamente relacionados com o consumo de drogas (Kuczkowski, 2003). Tornando assim, insuficientes as orientações dadas às gestantes durante o pré-natal.

Em 1990, foi publicado um estudo mostrando que, numa população de 60 milhões de mulheres em idade reprodutiva, 51% já tinham feito uso de álcool, 29% de tabaco, 7% de maconha e 1% de cocaína; interessante notar que 8% dessas pacientes fizeram uso de alguma dessas drogas no último mês (Wheeler, 1993).

ALCOOL, COCAÍNA, MACONHA E TABACO são as drogas de abuso mais comumente utilizadas durante a gestação.

ALCOOL – Estudos mais abrangentes do uso de álcool na população geral foram realizadas no Brasil, pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), e constatou-se que a prevalência da dependência de álcool no sexo feminino é de 5,7%, sendo mais alta nas regiões Norte e Nordeste. Nos Estados Unidos, evidências demonstram que 25% dos 15 milhões
de alcoolistas são mulheres (Ebrahim et al., 1998).
O consumo de álcool durante a gestação é prejudicial tanto para a mãe quanto para o feto. Como a quantidade considerada “segura” ainda não foi estabelecida, a abstinência nessa situação é considerada a melhor conduta (Council on Scientific Affairs, American Medical Association, 1983), visto que o etanol atravessa facilmente a barreira placentária.
A síndrome fetal alcoólica é a consequência mais séria para o feto do consumo de álcool durante a gravidez, sendo caracterizada por retardo do crescimento intra-uterino, déficit mental, alterações músculoesqueléticas, geniturinárias e cardíacas. As alterações neurológicas determinadas pelo etanol incluem alterações na mielinização e hipoplasia do nervo óptico e parecem ser mediadas pelo GABA (Pinazo-Duran et al., 1997; Guerri e Renau-Piqueras, 1997).
Para a mãe, a intoxicação alcoólica aguda provoca o aumento da acidez gástrica simultaneamente à diminuição dos reflexos protetores das vias aéreas. Essa associação
expõe a gestante a um grande risco de aspiração pulmonar do conteúdo gástrico, visto que a gravidez por si já determina retardo do esvaziamento gástrico. As manifestações da abstinência pelo álcool podem aparecer de 6 a 48 horas até 10 dias da interrupção do consumo e incluem, basicamente, sintomas da exacerbação do sistema nervoso autônomo simpático, como taquicardia, hipertensão, arritmias, falência cardíaca,
além de delirium, alucinações e tremores (Beattie et al., 1993).
A presença de transtornos psiquiátricos tem sido relacionada com a maior ocorrência de complicações obstétricas (Cannon et al., 2002; Orr et al., 2002; Teixeira et al., 1999), bem como contribui para o aumento do consumo de bebidas alcoólicas. Pinheiro et al., estudando gestantes usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), detectaram a suspeita de transtorno psiquiátrico em 38,2% dessas pacientes, além de maior intensidade de problemas emocionais em pacientes consideradas dependentes do álcool (Pinheiro et al., 2005). É descrita, também, a relação entre estresse e ansiedade com complicações obstétricas, especialmente o aumento da resistência da artéria uterina em fases tardias da gesta-
ção (Jones et al., 1998; Rizzardo et al., 1982).

COCAINA – CRACK- A prevalência do uso da cocaína, assim como de seu produto alcalinizado (crack), tem aumentado dramaticamente na população obstétrica durante as últimas décadas. Estima-se que até 10% das mulheres norte-americanas tenham utilizado cocaína durante a gravidez, tendo ocorrido parto pré-termo ou descolamento prematuro de placenta na maioria dessas pacientes, além de outras complicações, tanto maternas quanto perinatais (Delaney et al., 1997; Rozenak, et al., 1990).
A identificação do problema deve ser realizada durante o pré-natal, mas muitas vezes é difícil o reconhecimento dessas pacientes, visto que muitas negam a utilização da droga (Birnbach et al., 1993). O diagnóstico diferencial com doença hipertensiva gestacional e suas complicações também dificulta a identificação da usuária de cocaína, visto que, em ambos os casos, também ocorrerá sinais de exacerbação do sistema simpático, como hipertensão, taquicardia, arritmias e até falência miocárdica.
A cocaína atravessa rapidamente a barreira placentária sem sofrer metabolização, agindo diretamente na vasculatura fetal, determinando vasoconstrição, além de malformações urogenitais, cardiovasculares e do sistema nervoso central (Krishna et al., 1993). Além disso,
como o fluxo sangüíneo uterino não é auto-regulado, a sua diminuição provoca insuficiência útero-placentária, hipoxemia e acidose fetal (Moore et al., 1986).

MACONHA- De ampla utilização, provavelmente seja a droga ilícita mais frequentemente utilizada na gestação, porém, as evidências de efeitos deletérios da maconha sobre o feto são poucas.
Com incidência variando entre 10% e 27% (Bell e Lau, 1995). Os efeitos alucinógenos são decorrentes do princípio ativo delta-9-tetra-hydrocannabinol (THC), que é altamente lipossolúvel, atravessando facilmente a barreira placentária. A utilização da maconha associadas a outras drogas é freqüente, o que torna, muitas vezes, difícil a identificação dos efeitos diretos da maconha sobre o feto (Richardson et al., 1993)
Ela diminui a perfusão útero-placentária e prejudica o crescimento fetal (Zuckerman et al., 1989). Além disso, alguns estudos demonstraram que a utilização perinatal da maconha levaria ao retardo da maturação do sistema nervoso fetal (Fried, 1993), além do aumento dos níveis plasmáticos de norepinefrina ao nascimento, o que provocaria distúrbios neurocomportamentais precoces (Mirochick et al., 1997).
Para a mãe, a inalação aguda da maconha determina descarga simpática, como taquicardia, congestão conjuntival e ansiedade, enquanto o uso crônico pode provocar letargia, irritabilidade, além de alterações no sistema respiratório, como bronquite crônica e infecções de repetição (Wheeler, 1993). Dessa forma, a inalação aguda pode potencializar a ação de drogas anestésicas no sistema cardiovascular e a ação depressora sobre o sistema nervoso central.

TABACO- Os produtos derivados do cigarro, como o monóxido de carbono e a nicotina, passam facilmente pela placenta. O monóxido de carbono apresenta uma alta afinidade pela hemoglobina do feto, impedindo que esta se ligue ao oxigênio, favorecendo a hipoxemia fetal. A nicotina reduz a síntese de prostaciclinas, determinando vasoconstrição e o aumento da resistência vascular (Ylikorkalo et al., 1985; Morrow et al., 1988). Além disso, a placenta de mães tabagistas apresenta características sugestivas de hipoperfusão, e, como conseqüência, há uma maior incidência de retardo do crescimento intra-uterino, descolamento prematuro de placenta e rotura prematura das membranas ovulares (Naeye, 1980).
Fumar no puerpério também é prejudicial ao bebê, pois os produtos do tabaco passam pelo leite da mãe, além de ocorrer diminuição de sua produção. No entanto, mesmo sendo o fumo um dos fatores de risco mais plausíveis de suspensão e redução dos efeitos sobre o feto e o recém-nascido (Cnattingius e Nordstrom, 1996), somente 20% das gestantes que fumam interrompem o tabagismo durante a gravidez (Prager et al., 1984).

CONCLUSÃO: O uso de drogas na população geral permanece um sério problema a ser solucionado e que deve envolver equipes multidisciplinares em sua abordagem. Especificamente em relação ao uso de drogas na gravidez, um número maior de trabalhos deve ser desenvolvido na tentativa de se estabelecer a melhor estratégia de abordagem para esse segmento específico da população.
[4/5 16:58] Eliana Monteiro: FONTE: http://www.scielo.br/pdf/rpc/v35s1/a10v35s1.pdf

DROGAS DE ABUSO E GRAVIDEZ
Dr. Eduardo Tsuyoshi Yamaguchi – Médico anestesiologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Pós-graduando nível doutorado da FMUSP.
Dra. Mônica Maria Siaulys Capel Cardoso – Médica anestesiologista do HC-FMUSP.
Dr. Marcelo Luis Abramides Torres – Professor doutor de Anestesiologia da FMUSP.
Dr. Arthur Guerra de Andrade – Professor-associado do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); professor titular da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC).

Riscos do uso de drogas durante a gravidez