Aluna: Eloisa de Almeida Araújo

Estresse, depressão e complicações de ansiedade na gravidez estão relacionados a casos de partos prematuros, mas tomar alguns remédios pode apresentar risco de má-formação do bebê.

A gestação é período de mudanças físicas, emocionais e sociais na mulher, gerando expectativas, novos projetos e fantasias. Não bastassem incertezas e responsabilidades, alterações hormonais favorecem o surgimento ou agravamento de quadros psiquiátricos, principalmente transtornos depressivos e ansiosos. As estatísticas variam, mas de 10% a 15% das gestantes têm os problemas que, se não tratados, podem levar à chance de recaída superior a 75%. “Por mais contraditório que pareça, muitas pacientes apresentam tristeza ou ansiedade em vez de alegria nessa fase. Os limites entre o fisiológico e patológico podem ser estreitos, gerando dúvidas em obstetras, clínicos e psiquiatras”, afirma Joel Rennó Júnior, coordenador da Comissão de Estudos e Pesquisa da Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Esse grupo de especialistas deve estar preparado para decidir qual é o maior risco: tratar ou não tratar o transtorno psiquiátrico na gestação? Segundo Rennó Júnior, há um grupo de gestantes mais sensíveis às variações dos níveis hormonais, o que pode ser determinado geneticamente. Por outro lado, há mulheres com fatores estressores significativos durante a gravidez: relacionamento conjugal instável; baixo suporte social e status socioeconômico; histórico de abuso físico e sexual e de uso de álcool e drogas; antecedentes de abortamentos espontâneos; complicações obstétricas ou na véspera do parto, entre outros “gatilhos” que podem desencadear transtornos mentais na gravidez. Também o histórico de depressão ao longo do ciclo de vida da mulher deve ser investigado.

É comum que os médicos recebam em seus consultórios mulheres com depressão recorrente, fazendo uso controlado de medicamento e querendo engravidar. O que fazer? Parar com a medicação? Trocar o antidepressivo? Para o psiquiatra Joel Rennó, em casos de transtornos psiquiátricos na gestação, a decisão entre usar ou não medicamentos nunca será isenta de riscos. O problema é que um levantamento recente aponta que 77% das grávidas que interrompem o tratamento psiquiátrico o fazem com orientação médica. “A maioria é desaconselhada pelo próprio obstetra. Quem tem ausência de risco dificilmente vai fazer tratamento de transtorno psiquiátrico perinatais. Só que não existe ausência de risco, seja ela do tratamento ou da própria doença”, explica.

Segundo Rennó Júnior, que também é diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o estresse, por exemplo, pode levar ao crescimento intrauterino retardado, predispor abortamentos espontâneos, determinar o nascimento de um bebê com perímetro encefálico diminuído, além de aumentar o risco de parto prematuro. Alterações imunológicas, inflamatórias e na resistência da artéria uterina também são responsáveis por um desenvolvimento alterado da criança e pode ocorrer não só em casos de estresse, mas também de ansiedade e depressão. “Mas esses fatores geralmente não são levados em consideração por quem para a medicação. Só se levam em consideração os efeitos dos psicofármacos.”

Qualquer mulher, mesmo a que não toma remédio, tem um risco de má-formação que varia de 3% a 6%. Estudos recentes demonstraram que muitos medicamentos estão na mesma faixa de risco, ou menor. Esses estariam “permitidos”. Mas para o especialista, o melhor modo de lidar com esse impasse é o planejamento da gestação, permitindo, assim, uma discussão de opções terapêuticas, e mesmo troca, se necessário, para uma medicação mais segura na gravidez. “Nesse momento, o objetivo da farmacoterapia não é o controle máximo de sintomas, mas a redução dos que prejudiquem a mãe ou o feto. Sempre que possível a psicoterapia e as medidas psicossociais devem preceder a farmacoterapia. Todas as recomendações, entretanto, devem ser discutidas com paciente, família e obstetra”, acrescenta Rennó.

Transtornos ansiosos

Tipicamente surgidos na infância e na adolescência, os transtornos ansiosos têm maior incidência na idade fértil e podem ter menor intensidade durante a gestação. A síndrome do pânico, o transtorno obsessivo compulsivo e o transtorno de estresse pós-traumático podem se iniciar ou se exacerbar no pós-parto, sendo fatores de risco para a depressão pós-parto. O transtorno de ansiedade generalizada, por exemplo, tem 8,5% de prevalência na gestação. Precisam ser tratados por estar relacionados a maior risco de diabetes, doenças cardíacas e hipertonia, o aumento anormal do tônus muscular. A ansiedade na gestação também leva ao parto prematuro, baixo peso, complicações obstétricas e maior uso de analgésicos no trabalho de parto.

Já o estresse na gestação geralmente é desencadeado por episódios como luto, eventos catastróficos e aborrecimentos diários, podendo também ser um estresse crônico ligado a preconceito, contexto social e questões ocupacionais. Pode levar a alterações imunológicas e inflamatórias significativas, via responsável por 50% dos partos prematuros.

Hormônios

A depressão é outra preocupação. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o risco para desenvolvimento de um transtorno depressivo maior durante a vida varia de 10% a 25% nas mulheres. Na gestação, a prevalência é de 7,4% no primeiro trimestre e de 12% no segundo e terceiro. Os sintomas variam com a flutuação dos hormônios. Por isso, a história da vida reprodutiva da paciente deve ser investigada, pois os anticoncepcionais podem ter interação medicamentosa com psicotrópicos.

O tratamento da depressão em mulheres grávidas ou planejando engravidar requer cuidadosa avaliação dos riscos e benefícios à paciente e ao feto. Mulheres que estão em tratamento de depressão devem planejar a gravidez, discutindo a ideia com o seu psiquiatra e com o obstetra. Em casos específicos, inicialmente, apenas a psicoterapia pode ser uma opção de tratamento. As medicações antidepressivas devem ser consideradas para as gestantes com sintomas moderados a graves. Em todos os trimestres da gravidez, o grupo dos antidepressivos serotoninérgicos costuma ser relativamente seguro, sendo o citalopram, a sertralina e a fluoxetina as opções com menores riscos segundo os últimos estudos. Embora os antidepressivos tricíclicos sejam seguros quanto ao aspecto da malformação ou teratogênese – formação e desenvolvimento de anomalias no bebê –, eles não seriam adequados para o fim da gravidez.

Três perguntas para…

Frederico Amedée Péret – Membro da diretoria da associação de ginecologistas e obstetras de Minas Gerais

Qual a postura da Sogimig em relação ao tratamento de transtornos psiquiátricos na gestação?
Distúrbios psiquiátricos na gestação devem ser abordados de forma interespecialidade (psiquiatra e obstetra) e interdisciplinar (médicos e outros profissionais). Sempre que possível, deve ser realizada avaliação pré-gestação antes da concepção, para discutir a adequação das medicações e a prescrição do ácido fólico com o objetivo de reduzir chances de má-formação.

Remédios para estresse, transtornos depressivos e ansiosos representam que tipo de risco?
Os antidepressivos – incluindo os de última geração – não são medicações isentas de risco para o feto e o recém-nascido. Portanto, devem ser prescritos somente com indicação médica precisa. Além do risco de má-formação no início da gestação, eles podem interferir no desenvolvimento pulmonar e, eventualmente, causar eventos respiratórios (hipertensão pulmonar) depois do nascimento. O risco desses eventos, entretanto, não é alto, fazendo com que, se houver indicação, a medicação seja prescrita. Há poucos estudos de resultados a longo prazo de fetos expostos, não permitindo conclusões definitivas.

Como a gravidez deve ser conduzida em pacientes que precisam de medicação psiquiátrica?
O ideal seria o aconselhamento pré-gestacional, a prescrição de ácido fólico antes da gestação, o ajuste de dosagens e a suspensão de medicações com efeitos teratogênicos comprovados, caso do lítio e ácido valproico. É preciso ter uma atenção cuidadosa no pré-natal quanto ao rastreamento de anomalias fetais e crescimento do feto. Não há evidências de indicação de cesariana apenas pelo diagnóstico de doença psiquiátrica. Casos mais graves devem ter acompanhamento multiprofissional e individualizado.

Transtorno psiquiátrico na gestação
PUBLICADO EM 5 DE NOVEMBRO DE 2012
Fonte: Associação Brasileira de Psiquiatria.

Transtorno psiquiátrico na gestação