ALUNO: Gilberto de Moraes Fernandes

Introdução

No Brasil, em meados do século XIX, a tuberculose passou a ser associada a problemas sociais e começou a mobilizar a comunidade médica para solução de cura. Nessa época, a grande preocupação, em termos de saúde pública, estava na destruição dos cortiços e recuperação da zona urbana da cidade e as ações para o controle da doença eram policialescas e normativas. Ao final do século XIX, acreditava-se também que a tuberculose poderia estar intrinsecamente ligada à hereditariedade, pois várias pessoas da mesma família desenvolviam a doença. Ao final do século XIX e início do século XX, a origem da tuberculose passou a ser vista e relacionada ao amor e à decepção que levava à boêmia e ao descuido de si. Foi nessa época que, pela primeira vez, a tuberculose foi relacionada ao uso de álcool.
A tuberculose ainda é hoje um problema social e também apresenta forte relação com o uso do álcool, entretanto não possui nenhum fator hereditário que caracterize seu desenvolvimento, mas sim um contato direto e intenso entre os membros de uma mesma família. Bolsões de pobreza nas cidades mais populosas constituem terreno fértil para a propagação da tuberculose. De um lado, a pobreza, por si só, contribui decisivamente para a manutenção de quadro geral propício ao avanço da doença. De outro, a emergência da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e a desinformação vigente sobre nutrição, promoção da saúde e prática de vida saudável completam os requisitos para o agravamento do problema.
Neste estudo, uma revisão da literatura não sistemática foi realizada com o objetivo de identificar trabalhos que mostravam associação entre alcoolismo e tuberculose. A revisão bibliográfica de textos, abordando a, temática teve início através de uma busca de livros, artigos publicados em periódicos, dissertações e teses, utilizando as bases de dados MEDLINE e LILACS. A pesquisa não foi limitada a nenhum período específico. Os textos de interesse foram selecionados através da leitura de seus resumos, procedendo-se, então, à leitura do material classificado, classificação e agregação, em função dos significados.

A Doença

A Tuberculose é uma doença contagiosa causada pelo microrganismo Bacilo de Koch, cientificamente chamado Mycobacterium tuberculoses, que ataca principalmente os pulmões e outras partes do corpo como rins, olhos e ossos. Ela é uma das doenças infecciosas que mais mata. Atualmente, no Brasil, ocorrem cerca de 90 mil novos casos por ano. A Tuberculose é transmitida através do ar, do espirro, da tosse e da fala. Qualquer pessoa sadia pode ser contaminada por outra portadora da doença.
Todos podem ser contaminados, mas o risco é maior em pessoas que convivem em lugares fechados com doentes de Tuberculose Pulmonar, aquelas em condições de alimentação, habitação e saúde precárias. Portadores de doenças como, diabetes, AIDS e alcoolismo também podem contrair a Tuberculose com facilidade.
Estima-se que um terço da população esteja infectada pelo bacilo da tuberculose e que apenas em torno de 10% dessas pessoas adoecem. O alcoolismo crônico, em razão de estar associado à queda da imunidade, desnutrição, fragilidade social, exposições a situações de risco, entre outros, é considerado importante fator de risco para o desenvolvimento da tuberculose, fato mostrado quando percebemos maior incidência e tratamentos prolongados de tuberculose entre esses pacientes..
A tuberculose apresenta pior prognóstico em pacientes alcoolistas quando comparados a pacientes não-alcoolistas. Em estudo realizado numa época em que ainda nem se falava da AIDS, as formas muito avançadas de tuberculose pulmonar eram mais frequentes em alcoolistas. Nessa mesma época, foi evidenciada maior porcentagem (62,5%) de alcoolismo em pacientes do sexo masculino com tuberculose em relação a não-alcoolistas em um hospital especializado para o tratamento da tuberculose pulmonar, enquanto 10% dos pacientes do sexo feminino internados nesse mesmo hospital recebeu o diagnóstico de alcoolistas. Do total da amostra, 52% dos pacientes internados com diagnóstico de tuberculose eram alcoolistas, sendo que, em 88,5% desses casos, a doença alcoólica não havia sido diagnosticada pela equipe do local revelando descuido com a relação entre as duas doenças.
Em outro estudo realizado, em meados da década de 90, com pacientes inscritos em um Centro de Saúde da cidade de Pelotas (RS), observou-se redução de pacientes com tuberculose associada ao alcoolismo de 21%, aproximadamente. Isso talvez tenha acontecido em virtude do aparecimento da AIDS, pois a porcentagem da tuberculose é muito maior entre esses pacientes, os quais muitas vezes não têm o alcoolismo como fator associado.

O Tratamento

O alcoolismo é considerado condição clínica que aumenta muito o risco de desenvolver a tuberculose. Por isso, a quimioprofilaxia da tuberculose é indicada para esses pacientes quando forem reatores fortes à tuberculina e mesmo sem sinais de tuberculose ativa. Atualmente, o esquema básico do tratamento da tuberculose é de curta duração, devendo o paciente estar curado em seis meses. Em um estudo, avaliando o tempo de tratamento da tuberculose de pacientes inscritos em um serviço de saúde do município de Ribeirão Preto, no período de 1998 a 1999, verificou-se que 77,7% dos alcoolistas apresentavam tempo de tratamento superior a seis meses, sendo que entre os nãos alcoolistas, essa parcela representava 56,5%. Quando avaliados pacientes com tempo de tratamento superior a nove meses, os resultados ainda mostraram-se mais desfavoráveis em relação aos alcoolistas, que respondiam por 55,5% (mais da metade) dos casos, enquanto 17,3% dos não-alcoolistas apresentaram tempo de tratamento superior a nove meses. Isso talvez seja explicado pelo fato de se encontrarem maiores porcentagens de abandono e absenteísmo entre essa clientela, o que determina tempo maior para a conclusão do tratamento e, por vezes, a indicação de esquemas terapêuticos mais prolongados em casos de resistência às drogas.

Conclusão

O alcoolismo, por si só, exerce influência sobre o prognóstico e tratamento da tuberculose, porém, esse vem associado muitas vezes com baixa qualidade de vida, identificada por más condições higiênicas, má distribuição de renda, má nutrição, baixa resistência imunológica, pouco desejo de viver e pouca aceitação do tratamento, o que intensifica ainda mais um desfecho desfavorável em relação ao tratamento da tuberculose.
O alcoolismo, assim como a tuberculose, deve ser tratado na comunidade, porém em casos em que o paciente não tem moradia fixa ou a doença estiver muito avançada, pode-se indicar internação. Em casos de risco de abandono ao tratamento, nos quais se incluem todos os alcoolistas, é indicado o DOTS, evitando internação desnecessária e mais onerosa.
O alcoolismo deve ser mais valorizado pela equipe de saúde que trabalha diretamente no tratamento de pessoas com tuberculose, buscando encontrar meios mais precisos de identificar esses pacientes e oferecer tratamento concomitante para alcoolismo após a identificação de serviços existentes na comunidade para esse fim. Toda orientação em relação ao uso das medicações por esse tipo de paciente deve enfatizar que a ingestão de bebidas alcoólicas aumenta o risco para o desenvolvimento de efeitos colaterais, cabendo, portanto aos profissionais a observação continua e sistematizada desses pacientes durante o tratamento da tuberculose no sentido de minimizar e detectar precocemente possíveis efeitos dessa interação.

 

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A Influência do Alcoolismo no Prognóstico e Tratamento da Tuberculose