fonte: O Globo

Mão na terra para preparar o solo prestes a receber sementes e mudas. O vasto terreno da Clínica Jorge Jaber, em Vargem Pequena, ganha um ar mais alegre graças a uma variedade de plantas que vem sendo cultivada em pequenos canteiros. O projeto, resultante de uma parceria com o Instituto Ambiental Moleque Mateiro, teve início há três meses e é voltado para os 20 pacientes adolescentes integrantes dos grupos de psiquiatria e de dependência química da instituição. Alguns estão internados; outros já tiveram alta mas ainda precisam voltar à clínica periodicamente.

A pequena agrofloresta, baseada na policultura, serve como tratamento e inspiração para os jovens de 14 a 17 anos em tratamento. Ali eles cultivam mudas de diferentes plantas alimentícias e aprendem a cuidar da horta. Participam também da manutenção do Caminho da Recuperação, um curto trajeto de acesso à área onde os pacientes ficam internados; e do Jardim da Gratidão, onde são realizadas algumas das atividades do projeto. Estes têm outras espécies de plantas, bem como flores.

A inclusão da atividade na programação, conta a psicóloga Simone Humel, segue a linha de ensinar e estimular a prática de habilidades que não estejam diretamente relacionadas com a doença que está sendo tratada.

— Quando estão plantando, alguns pacientes falam das lembranças da família. Então, há um resgate de um passado de vida saudável dentro dessas aulas. E é terapêutico, para eles, reviverem esses bons padrões de antigamente. É se permitir renascer. Tudo está interligado, seja o jovem paciente da psiquiatria ou da dependência química — conta a psicóloga.

Na primeira fase, o projeto da agrofloresta teve aulas teóricas, nas quais foram abordados tópicos como nutrição do solo, desvantagens da monocultura, poda e modo de plantio a partir de torrão, muda, semente ou caule. Depois dos fundamentos foi a hora de colocar o chapéu, uma espécie de uniforme, e sujar as mãos. A jovem X., de 17 anos, é uma das mais entusiasmadas com a atividade.

— Quando chegamos aqui, nós vamos nos adaptando aos poucos. Passamos a perceber a nossa realidade e enxergamos tudo o que está errado. Vemos o nosso florescer como pessoas. A ecologia é uma das minhas atividades favoritas, junto com a arteterapia e as aulas de ginástica local na academia daqui. Deixo para vir à clínica nesses dias — conta X.

A adolescente chegou ao espaço em maio deste ano, ao ser internada após uma tentativa de suicídio. O quadro era de depressão, agravado pelo Síndrome de Borderline, distúrbio que também afeta o equilíbrio emocional. A internação durou 55 dias e depois foi substituída pela modalidade hospital-dia, quando o paciente recebe alta e continua frequentando a clínica algumas vezes por semana para participar de diferentes atividades. X. recorre a uma imagem da natureza para explicar o que passou.

— Entrei aqui lagarta, fiquei no casulo e saí borboleta — compara.

O psiquiatra e diretor-técnico da clínica, Jorge Jaber, afirma que a parte prática é fundamental para a recuperação dos jovens:

— A melhora é através de atividades pedagógicas. Temos que encaixá-los numa atividade que proporcione prazer imediato e por meio da qual possam aprender que a vida é boa. Ao terem contato com a ecologia, os adolescentes veem que são capazes de plantar algo que será usado no prato que vão comer. Isso lhes dá a percepção de que são produtivos.

A procura por internação nesta faixa etária aumentou este ano na clínica. Atualmente, 13 jovens vivem no espaço e sete estão no sistema hospital-dia. A equipe se surpreendeu com a receptividade dos pacientes ao projeto ecológico. A empolgação, dizem, fica evidente desde a escolha do alimento a ser plantado até o momento de colhê-lo.

É a primeira vez que o Instituto Ambiental Moleque Mateiro atua num projeto voltado para pacientes de psiquiatria e dependência química, o que está sendo feito em parceria com a Carpe — Projetos Socioambientais, empresa voltada a promover práticas sustentáveis. A iniciativa tem dado bons frutos e despertado interesse também dos adultos que se tratam na Clínica Jorge Jaber, mas ainda não há previsão de extensão do projeto.

Atualmente, a clínica oferece atendimento gratuito para dependentes químicos e seus familiares na Câmara Comunitária da Barra da Tijuca, no Parque das Rosas e na Faculdade Gama e Souza da Barra (informações pelo telefone 2540-9091). Em Vargem Pequena, há ainda o Curso de Formação de Terapeutas, gratuito, com inscrições sempre no início do ano.

ABORDAGEM INDIRETA DÁ FRUTOS

A agrofloresta, próxima ao campo de futebol, começa a ganhar forma. O espaço cercado de verde é demarcado por lascas de tronco de bananeira. O solo preparado com folhas secas coleciona brotos e folhagens de alimentos como milho, abóbora, batata, manjericão, alho-poró, salsa e hortelã. O projeto de ecologia está atrelado à formulação de um novo estilo de vida, em que os participantes descobrem — ou redescobrem — o contato com a terra e como podem participar de um trabalho coletivo.

A Clínica Jorge Jaber oferece para os adolescentes outras atividades, como academia, discoteca, arteterapia e natação. Em breve, haverá também aulas de música. Para a equipe, é fundamental ter uma programação variada, o que ajuda na reinclusão do jovem na sociedade e promove o resgate de sentimentos positivos, aponta a terapeuta e pedagoga Angela Hollanda.

— Não estamos preocupados em ensinar o que é droga e os efeitos que causa. Estamos focando na parte de ensino. Queremos mostrar o lado bom da vida, incentivar a interação dele com os outros. Fazê-lo pensar sempre no lúdico, no pedagógico, no ensino em si, e não ficar só falando da doença — diz a pedagoga.

A psicóloga Simone Humel completa:

— O tratamento dos adolescentes é inovador. Tentamos, por caminhos diversos, oferecer um novo estilo de vida para eles, sempre buscando a saúde e sem esquecer o que os trouxe para cá. Estamos tendo mais adesão. Eles voltam para continuar o tratamento no hospital-dia quando ganham alta.

A., de 16 anos, se inspirou na natureza para encontrar a paz que buscava. Durante a arteterapia, imprimiu no papel em branco muitas cores e uma arara azul, símbolo do seu sentimento de liberdade.

— Eu estava meio bolado e quis fazer um pássaro. Aquele tinha sido um dia difícil e me deu vontade de desenhar alguma coisa mais leve — diz.

Filha de Jorge Jaber, Lucia Jaber, diretora de projetos do Instituto Moleque Mateiro, comemora a boa recepção da iniciativa na clínica do pai. Conta que tem percebido a redução do nível de estresse e da agressividade dos pacientes, assim como o aumento da sociabilidade.

— O contato com a natureza nos permite atingir um certo equilíbrio, e falo isso sem ser papo de hippie. É cientificamente comprovado, principalmente nas fases iniciais da juventude. No projeto, os jovens veem que trabalhar em cooperação dá resultados, e isso ajuda na autoestima — diz Lucia, acrescentando que percebe também o aumento da empatia e o surgimento de uma visão de futuro. — Eles estão plantando um alimento de verdade, com amor, e podem nem vê-lo crescer. A mandioca, por exemplo, leva um ano e seis meses até estar no ponto de colheita. Mas, hoje, criam a consciência de que estão deixando algo para quem vem depois e que, de alguma forma, isso vai ajudá-los também.

Em julho, Y., de 16 anos, chegou à clínica para internação, após uma tentativa de suicídio. Durante dois meses e 11 dias, a programação envolvendo outros jovens, e ligada às artes, fez com que se reencontrasse. Música, literatura e pintura ajudaram a externar o que sentia após uma chegada conturbada. Entre suas técnicas favoritas para relaxar estão rolar na grama e cuidar da agrofloresta.

— Algumas coisas parecem simples, mas nós as reaprendemos aqui. São aprendizados que valem para quem sou hoje e para quem serei amanhã. Às vezes é preciso brigar consigo mesmo para resolver conflitos internos. Hoje me vejo como se antes fosse um pássaro com uma asa quebrada. Aqui cuidaram de mim, mas arrancaram minhas penas, sendo difíceis os momentos de autoconhecimento por que passei. Tive alta em setembro e saí com asas boas para voar e penas novas. Aprendi a procurar e a ver um sentido bom na coisas — diz Y., que volta à clínica semanalmente para o hospital-dia.

O Globo Barra traz emocionante matéria sobre o projeto educativo-ecológico desenvolvido com adolescentes na Clínica Jorge Jaber pelo Instituto Moleque Mateiro