Aluna: Denise Ferreira de Souza Ribeiro
Introdução
Alguns transtornos mentais podem apresentar algumas disfunções significativas na resposta ao estresse. Atualmente vários estudos comprovam que mulheres com transtornos por uso de álcool e transtornos relacionados ao estresse apresentam resultados diferentes e talvez inferiores no funcionamento cerebral comparados com os resultados do sexo masculino.
O consumo de álcool entre mulheres vem sendo associado a alterações atenuantes e em longo prazo no eixo hipotálamohipófise-adrenal, que afetam a resposta de adaptação nos circuitos de neurorregulação do estresse. Futuramente pesquisas relacionadas a este tema podem incentivar de forma progressiva e positiva no desenvolvimento de estratégias terapêuticas que levem em consideração a abordagens especificas para cada gênero. Palavras-chave: Álcool, mulheres, resposta ao estresse, diferenças entre os sexos.
Disfunções na resposta ao estresse podem exercer um importante papel em alguns transtornos mentais. Pesquisas recentes mostram que no Brasil e no mundo homens bebem mais que as mulheres, embora não se encontrava a pouco mais de uma década pesquisas que demonstrasse o índice de consumo de bebidas alcoólicas entre as mulheres, exceto os provenientes de estudos epidemiológicos, hoje já se vincula dados preocupantes e alarmantes pelo crescimento de mulheres tendo um relacionamento abusivo com o álcool.
Programas de apoio e assistência a usuários de álcool pouco levam em consideração particularidades relativas ao gênero. Em muitos casos Muitas mulheres não se sentem à vontade em centros especializados e acabam abandonando o tratamento por ser um ambiente com uma relevância participação de pessoas do sexo masculino, não deixando-as muito confortáveis para expressarem suas angústias. Por isso a importância de se implementar programas dirigidos a saúde e a assistência a mulher como garantia de sucesso nos resultados decorrentes aos transtornos relacionados ao uso de álcool.
Já se é constatado de que hoje as mulheres bebem em quantidade e frequência muito parecidas às da população masculina, principalmente dentre as mais jovens. A literatura sugere diferenças bastante distintas entre os sexos. Alguns transtornos mentais são mais prevalentes no sexo feminino, entre eles os transtornos depressivos, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno de estresse pós-traumático. Em todos esses transtornos, o estresse exerce um papel importante na neurobiologia. Além de possuir alta comorbidade com transtornos do uso de substâncias, especialmente o álcool.
Nos tempos da modernidade onde a mulher ganha espaço no mercado do trabalho com cargos importantes e também na área de educação buscando aumentar seu conhecimento, houve uma mudança radical associada ao uso de álcool entre as mulheres. Pois estes fatores muito contribuíram para que aquele comportamento antigo onde os homens bebiam entre os amigos e as mulheres as escondidas, se tornasse atualmente um hábito corriqueiro e sem grandes pré-conceitos ou julgamentos perante a sociedade.
Existem diferenças entre os sexos no metabolismo do álcool no sistema nervoso central. A mulher tem menor atividade do álcool desidrogenase no estômago, enquanto que uma mesma quantidade ingerida por um homem. A uma mulher causa maior concentração de álcool no plasma e, consequentemente, no cérebro da mulher, pois o álcool atravessa facilmente a barreira hematoencefálica. Estudos com populações clínicas demonstram que as mulheres começam a fazer o uso de álcool mais tarde que os homens, contudo, desenvolve problemas clínicos mais precoce como a cirrose e miocardiopatia dilatada, além de ser maior o dano cerebral.
Por esta especificidade do sexo feminino e com os efeitos nocivos do álcool a um caminho mais curto entre o uso abusivo do álcool e a dependência deram origem ao termo telescoping effect.
Entre os mais jovens, há dados bastante heterogêneos em relação a esse efeito, principalmente com relação à idade de início de uso. A progesterona está associada em estudos pré-clínicos, a um menor efeito positivo no sistema de recompensa cerebral, sugerindo a influência dos hormônios gonadais tanto na neurobiologia quanto na sensibilidade ao álcool. Com efeito, a terapia hormonal e o uso de anti concepcionais orais entre as mulheres podem também influenciar o sistema de recompensa cerebral.
Vários estudos vêm demonstrando a influência do estresse no ciclo da adição: na primeira relação com o álcool, na passagem para um padrão de uso abusivo, no desenvolvimento de dependência, nos sintomas de ansiedade e de depressão causados pela abstinência e como desencadeante ou facilitador de recaída. No ciclo da adição, o estresse tem sido um grande fator do início do consumo de álcool, o beber compulsivo, a dependência e a abstinência, além de agir como facilitador de recaída, através de mecanismos adaptativos nos circuitos de neurorregulação do estresse. O início do uso de álcool estimula mecanismos de recompensa no cérebro, principalmente em estruturas mesolímbicas, como o córtex frontal tegmental ventral. Com o hábitodo uso repetido e continuado, alterações na plasticidade neuronal passam a ocorrer de maneira gradual e sutil, através de mudanças de padrões de transcrição gênica, mecanismos epigenéticos, sensibilização e tolerância.
Assim como os benzodiazepínicos, o álcool atua como modulador da transmissão GABAérgica, colocado em sítios de neuropeptídios, como no núcleo central da amígdala, ricos em fatores de liberação da corticotrofina, fator-chave na modulação da resposta ao estresse. O núcleo central da amígdala é uma região envolvida tanto na sensibilidade ao stress e quanto no abuso de substâncias. O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) é via neural primária da resposta ao estresse. A partir do núcleo paraventricular do hipotálamo, é liberado o fator liberador da corticotrofina, que através da sinalização à hipófise anterior libera o hormônio adrenocorticotrófico na circulação sistêmica, que atinge as glândulas adrenais, estimulando a síntese de glicocorticoides e modulando a resposta fisiológica através de feedback negativo.
O álcool, tanto em curto como em logo prazo, promove profunda alteração no eixo HHA. O uso agudo de álcool ativa o eixo HHA, resultando em níveis elevados de glicocorticoides e diminuindo a ansiedade, ao passo que a exposição prolongada ao álcool promove hipertrofia adrenal e embotamento da resposta ao estresse, tendo efeito ansiogênico. Também tem sido demonstrado que a desregulação do eixo HHA permanece mesmo após longos períodos de abstinência, interferindo nos mecanismos de coping frente a novos estressores e facilitando a recaída. Além disso, estudos pré-clínicos e clínicos têm demonstrado que mudanças ocorrem de forma duradouras no eixo HHA que podem ser passadas de forma transgeracional para a prole, e que mecanismos epigenéticos estariam implicados.
Conclusão
A partir do conhecimento de como o estresse interfere em cada fase do uso de álcool e as diferenças cada vez mais pertinentes entre os sexos feminino e masculino nos circuitos integrativos de neurorregulação do estresse, o uso crônico de álcool e seus efeitos nesses circuitos se torna um tema bastante relevante. Além disso, a experiência estressante pode produzir mudanças celulares e moleculares sutis, que alternam os sistemas de recompensa para um padrão de uso abusivo. Importantes contribuições quanto à diferença de resposta ao estresse entre os sexos em amostras expostas ao álcool têm sido demonstradas em estudos pré-clínicos e clínicos. A dependência de álcool é um dos maiores problemas de saúde pública contemporâneo. Logo, a eficácia de um tratamento específico para atender as características femininas preenche de lacunas no entendimento dos mecanismos que possam estar envolvidos no desenvolvimento de transtornos de uso de álcool, na vulnerabilidade da mulher aos chamados transtornos relacionados ao estresse.
Fonte:
http://www.abp.org.br/portal/rdpmaijun2017/ Mai/Jun 2017 – revista debates em psiquiatria
Autores:
JERÔNIMO DE A. MENDES RIBEIRO , JOEL RENNÓ JR. , HEWDY LOBO RIBEIRO , JULIANA PIRES CALVASAN , AMAURY CANTILINO , GISLENE VALADARES , RENAN ROCHA , ANTÔNIO GERALDO DA SILVA
http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-7-3-5
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