SIDNEI NOGUEIRA DE SOUZA JUNIOR
Resumo:
Este trabalho tem como finalidade auxiliar o profissional de saúde a sistematizar a
avaliação desses pacientes, antes mesmo de iniciar um tratamento para abuso de
substâncias psicoativas (SPA). Um levantamento completo e detalhado da história do
indivíduo é necessário para avaliar a gravidade da dependência bem como do
comprometimento dos aspectos físicos, psicológicos e sociais de sua vida, fundamentais
para determinar o tipo de tratamento mais adequado. Investigar aspectos da
personalidade, crenças e valores pessoais do paciente, antes e depois do início do abuso
de drogas, contribui para uma visão geral da pessoa e do seu estilo de interação com o
mundo e com os demais.
Comumente, a fim de complementar a avaliação e obter informações de forma
mais objetiva e completa, também é importante solicitar entrevistas com familiares, pois
é primordial avaliar os prejuízos acarretados tanto na vida dos adictos quanto na vida de
seus codependentes.
Palavras-chave: avaliação, anamnese, exame físico, segredos familiares.
Introdução
O interrogatório de pacientes (anamnese) é um método adotado desde a Grécia
Clássica; tal prática já visava naquela ocasião, aliviar o sofrimento das pessoas
enfermas. Mas, foi apenas no último século, que a anamnese e o exame físico, nos
moldes que conhecemos, foram recomendados com interesse diagnóstico. Embora os
termos “sinal / sintoma” também sejam conhecidos dos médicos desde a Antiguidade,
foi somente no século XIX, que se tornou claro o seu caráter respectivamente, objetivo e
subjetivo. Até esta ocasião os diagnósticos eram completamente empíricos e baseados
nas crenças gregas de que toda doença era um simples desequilíbrio entre os quatro
humores (bile amarela, bile negra, sangue e fleuma). No tempo de Hipócrates (460-375
a. C) a inspeção e a palpação dos pacientes, entretanto, já faziam parte do exame dos
doentes. Com estas técnicas de exame os gregos antigos descreveram pacientes com
icterícia, relacionaram-na com o aumento do fígado que em geral, se apresentava duro e
irregular. Foi Hipócrates quem estudou as febres reconhecendo-a como sinal de doença.
Avanços espetaculares nas ciências básicas (fisiologia, patologia, farmacologia e
microbiologia) observadas no final do século XIX promoveram o desenvolvimento de
novas estratégias clínico – laboratoriais que, associados aos novos métodos de imagem,
impulsionaram a medicina que hoje conhecemos e praticamos.
Lembramos, finalmente, que este método atual de abordagem diagnóstica, que está
apresentado aqui, continua fundamentado, acima de tudo, numa coleta sistemática de
dados através da anamnese, associada a um exame físico cuidadoso. E, em caso de
pacientes com limitação para a coleta da anamnese (deficiências físicas e mentais,
depressão do estado de consciência, estados psiquiátricos, dor, dispnéia ou mesmo
inibição) a história poderá ser colhida de um acompanhante ou responsável – devendo
esse fato constar por escrito no final do texto. Informações prestadas por familiares ou
pessoas que acompanham nossos pacientes incapacitados de prestar informações no
momento do exame podem ser de grande valia. Sempre que possível a anamnese deve
ser colhida diretamente com o próprio paciente.
Desenvolvimento
Anamnese: do grego aná, trazer de novo + mnesis, memória.
É uma entrevista realizada pelo profissional de saúde ao seu paciente, que tem a
intenção de ser um ponto inicial no diagnóstico de uma doença. E, quando bem
conduzida, é responsável por 85% do diagnóstico na clínica médica, liberando 10% para
o exame clínico (físico) e apenas 5% para os exames laboratoriais complementares. É o
início do relacionamento com o paciente.
Considerando a complexidade da dependência química, o primeiro contato com o
paciente é onde se define como será dado o tratamento necessário, sendo como fatores
indispensáveis uma breve avaliação física a anamnese do adicto.
Além da avaliação física, a anamnese trás como principais objetivos: favorecer o
engajamento ou a adesão ao tratamento; colher dados sobre o histórico da evolução do
consumo e de como a droga influenciou os problemas apresentados na vida do
indivíduo; identificar fatores que favoreceram a instalação do uso e mantêm a
dependência; identificar outras morbidades; e identificar os fatores que favorecem a
abstinência.
No questionário de uma anamnese, as perguntas podem ser abertas, fechadas ou
focadas. As abertas são as em que o paciente pode dizer o que está sentindo, por
exemplo. As fechadas são para que o paciente complemente o que ele ainda não disse. E
as focadas são as perguntas do tipo aberta, mas sobre um tema específico.
Outro fator importante é a anamnese com pessoa da família ou próxima do adicto, a
fim de reunir informações para estabelecer hipóteses diagnósticas.
Em suma, a anamnese serve como um banco de dados do paciente, onde contenha o
histórico da doença, recorrência, doenças hereditárias, ou qualquer tipo de informação
que possa contribuir para com o tratamento, considerando que os segredos familiares
apresentam um verdadeiro dilema para o sistema terapeuta-cliente: a revelação de um
segredo pode ter efeitos curativos, perigosos, reconciliatórios ou até mesmo divisórios,
tendo grande importância para o processo terapêutico. Contudo, o trabalho terapêutico
não deve focar somente a revelação. O terapeuta deve estar atento para “não presumir
de modo simplista que a sinceridade, apenas, oferece a cura”. Os terapeutas devem,
ainda, considerar os objetivos da manutenção do segredo. O segredo mantido por
intenções protetivas é diferente daquele mantido por coerção ou abuso, sendo
normalmente mais fácil reestabelecer a confiança em segredos protetivos. A revelação
de um segredo pode acabar por criar outros ou exercer pressão sobre outros segredos
ainda mais obscuros, fazendo necessária a existência de um ambiente terapêutico capaz
de abarcar as mais diversas respostas decorrentes de uma eventual revelação de
segredos familiares.
Assim, os terapeutas devem criar um ambiente seguro e apto a sustentar as diversas
percepções (frequentemente contraditórias) do segredo e de sua manutenção. Enquanto
os significados vinculados ao segredo mudam, torna-se possível a mudança do
relacionamento entre as gerações.
Costuma-se usar o termo HD (Hipótese Diagnóstica) na primeira anamnese
colhida, considerando que: nem sempre a primeira entrevista é feita adequadamente; o
tratamento e a recuperação dependem da situação de como é feita a entrevista inicial e
de quem colheu a história inicialmente; estado físico e mental do paciente naquele
momento; ao longo do tratamento, o médico deve estabelecer o diagnóstico do paciente.
De forma sequencial, segue os parâmetros principais e sugestivos de uma boa
anamnese:
1. Identificação do paciente: nome, sexo, raça, estado civil, religião, data e local de
nascimento, procedência, escolaridade e profissão e tipo sanguíneo;
2. Queixa principal: em poucas palavras, o profissional registra a queixa principal
(QP), o motivo que levou o paciente a procurar ajuda. Deve ser única e se possível
grafada com as palavras do próprio paciente. Nunca deve ser um “diagnóstico de outro
médico” como “ problema nos rins ” e sim o motivo pelo qual o paciente procurou a
ajuda médica e para o qual espera alívio. Não devemos assinalar queixas principais
como “Diabete descompensado e sim “fraqueza, falta de ar, perna inchada, urina solta
etc. A razão de utilizarmos as palavras do próprio paciente objetiva esclarecer de forma
clara e objetiva o seu sintoma mais intenso, o que infelizmente, nem sempre ocorre.
3. Histórico da doença atual: no histórico da doença atual (HDA) é registrado tudo
que se relaciona quanto à doença atual: sintomatologia, época do início, história da
evolução da doença, entre outros. Em caso de dor, deve-se caracterizá-la por completo.
Devemos destacar aqui, sempre utilizando terminologia médica: o Início dos sintomas,
sua seqüência temporal, qualidade, intensidade, fatores agravantes e de alívio, os
sintomas associados, assim como os problemas médicos concomitantes. Nesta fase,
nosso objetivo é obter dados sobre a presente queixa, permitindo que o paciente conte
livremente sua história, enfatizando os dados mais relevantes para ele, sem
interferências. Infelizmente alguns pacientes mais prolixos (talvez mais carentes ) nos
obrigam a interrompêlos com vistas a obtenção de dados mais objetivos. Devemos estar
atentos, entretanto, para não interromper a seqüência lógica de pensamento do paciente,
o que acarretaria grandes perdas ao diagnóstico. Nunca é demais lembrar que nunca
devemos sugestionar nossos pacientes com perguntas objetivas. Mencionaremos a
seguir a forma de abordagem de um dos sintomas mais comuns na prática clínica. A dor
(e outras formas de desconforto) são uma das principais razões que motivam uma
consulta médica. Deve ser caracterizada pela sua localização, qualidade, (pontada,
queimação, cólica, ou aperto), duração, intensidade, forma de início, evolução,
seqüência temporal em relação à hora do dia e a outros sintomas associados, fatores
agravantes e de alívio (postural, aos esforços, com alimentos, com tensão ou sono),
assim como os problemas médicos concomitantes. Devem ser ainda registradas a
presença de doenças crônicas, mesmo compensadas, assim com o uso de medicamentos
e de drogas ilícitas. Existe prostração, mudanças de apetite ou peso, ansiedade,
problemas digestivos, urinários ou sexuais associados? Para concluir devemos obter
uma história pessoal onde enfatizamos o perfil psicológico do doente: seus hábitos
pessoais (horas de sono, tipo de alimentação, relações afetivas e de trabalho, suas
atividades físicas regulares etc.) Muitas vezes problemas de ordem emocional se
exteriorizam por sintomas, chamados funcionais como dor, vertigens, falta de ar etc.
4. História médica pregressa: adquire-se informações sobre toda a história médica
pregressa (HMP) do paciente, mesmo das condições que não estejam relacionadas com
a doença atual.
5. Histórico familiar: nesse histórico é perguntado ao paciente sobre a sua família e
suas condições de trabalho e vida. Procura-se alguma relação de hereditariedade das
doenças da infância; desenvolvimento; alergias; outras doenças desenvolvidas;
hospitalizações e/ou cirurgias anteriores; medicamentos usados, descrevendo quais,
posologia e duração do tratamento. Questiona-se sobre doenças de pais, irmãos e
cônjuges, principalmente as crônico-degenerativas, infectocontagiosas e neoplasias.
6. História pessoal e social: onde trabalha, onde reside, saneamento, animais
domésticos, com quem mora, quem é o provedor dos recursos financeiros da família,
relações intrafamiliares, se viajou recentemente, sono e repouso, atividade física, lazer,
alimentação e hidratação, eliminações, tabagismo etilismo ou drogadição, vida sexual,
se é tabagista, alcoolista ou faz uso de outras drogas e medicamentos.
Além disso, é importante considerar um breve exame físico indispensável para
avaliar a resposta do indivíduo em relação à sua doença, como, por exemplo: a perda de
força muscular ou de peso e o estado psíquico do paciente; quanto ao nível do sensório:
alerta, confuso, sonolento, obnubilado, torporoso e comatoso (escala de Glasgow);
síndrome de abstinência, etc. Estes sinais podem ser descritos no final ou no início do
documento, ou então distribuídos com seus sistemas correspondentes.
Considerações Finais
As anamneses são essenciais para o estabelecimento de um diagnóstico médico, e
consistem em um processo de coletar dados das biografias dos pacientes à luz de uma
hipótese. Trata-se de um procedimento essencialmente interpretativo, envolvendo uma
relação reflexiva entre as suposições do médico e o comportamento e motivações que
poderiam ser associadas ao diagnóstico.
O comportamento do profissional, assim como o estilo da entrevista, têm efeitos
diretos sobre a relação com o paciente. É preciso obter todos os detalhes precisos e
necessários para o diagnóstico, o que exige habilidades que devem ser exercitadas
continuamente. Toda informação obtida numa anamnese tem dois componentes: um
cognitivo e o outro afetivo ou emocional. Lembre-se que todos os pacientes estão
ansiosos durante o contato inicial com o terapeuta. É importante considerar ambos e ter
a capacidade de corresponder a qualquer um deles. Por exemplo, quando as pessoas
estão zangadas, as suas definições podem transmitir muito pouco da mensagem
pretendida. Reagir apenas às palavras, pode significar a perda completa da mensagem
subentendida. O acompanhamento (não verbal) do contexto, da qualidade e da ênfase da
voz, da expressão facial, da postura corporal, do cenário, das roupas, da idade e no
contexto cultural do paciente, ajuda o entrevistador a preencher o que não foi
expressamente revelado. Entretanto, a única forma de nos certificarmos de uma
compreensão precisa é conferindo nossos dados com o próprio paciente. O uso de
resumos e confirmações periódicos é uma técnica eficaz para assegurar ao paciente de
que ele esta sendo adequadamente compreendido. Este tipo de intervenção assegura
ainda ao paciente que estamos concentrados nele.
O argumento do artigo é o de que existe uma estrutura interpretativa a balizar as
hipóteses de diagnóstico que é calcada em procedimentos de senso comum.
Referências bibliográficas:
Benseñor, IM. Atta, JA. Martins, MA. Semiologia Clínica. Sarvier. 2002. Bates, B.
Semiologia. 8 edição
Examinando pacientes – A ANAMNESE Ivan da Costa Barros -2004- – 15/04/04.
López, Mario, Medeiros, José. Semiologia Médica: As bases do diagnóstico Clínico.
Prof. Ivan da Costa Barros A HISTÓRIA CLÍNICA 2004