fonte: RFI Brasil

O psiquiatra Jorge Jaber desenvolve há 40 anos um curso de formação de terapeutas voltado para o tratamento de dependentes químicos. Ele veio a Paris para apresentar a iniciativa no Congresso Europeu de Psiquiatria e espera que outros países se inspirem da ideia.

A ideia da formação nasceu nos Estados Unidos quando ele realizava uma pós-graduação em dependência química, em Harvard. Jaber percebeu que existiam os “counselors” (conselheiros), profissionais que atuam como terapeutas “leigos”, que não fizeram universidade, mas têm um conhecimento grande sobre a doença, geralmente por terem se recuperado ou por serem parentes de alguém que se recuperou da dependência química.

Apesar de ser voltado para um público sem formação prévia, atualmente médicos e psicólogos também se interessam por seu curso no Brasil.

Até 2019 a formação era paga e presencial, mas com a pandemia, passou a ser ministrada a distância, por internet. “O curso se tornou extremamente barato e acessível”, conta o psiquiatra, que exige dos participantes apenas uma contribuição transferida a um projeto de prevenção a situações de risco na infância e na juventude, na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro.

“Gostar de gente com problema”

Para Jaber, para ajudar e cuidar de uma pessoa que tem um vício é necessário “gostar de gente com problema”. Já que o dependente químico costuma negar que tenha um problema e projetar sobre outras pessoas a responsabilidade por sua situação. “Ele diz que o pai, a mãe, o governo, alguém é o culpado. Ele tem muitas desculpas”, explica.

Depois “é necessário ter interesse em interferir no mal-estar de outra pessoa, ter esse desejo de viver para ajudar outros a melhorarem a vida”, continua. Ele explica que muitos dos ex-dependentes acabam se transformando em terapeutas, porque quem se recupera da dependência e consegue abandonar o uso de substâncias químicas passa a ter “uma certa gratidão e um desejo de ajudar”.

Para o psiquiatra, esse é um ponto importantíssimo. “Finalmente, o curso supre a carência de conhecimentos técnicos para isso. Então, basicamente você junta o desejo com a ciência e com isso você consegue montar uma mão de obra relativamente barata, que tem muito sucesso na recuperação de outros dependentes”, ele resume.

Jaber diz que a recepção da iniciativa no Congresso Europeu de Psiquiatria, realizado em março, em Paris, foi muito positiva.  “Esse trabalho, especificamente, tem uma adesão muito grande, um interesse muito grande porque ele torna acessível a criação de mão de obra específica para uma doença que está aumentando no mundo inteiro, o uso de substâncias químicas, e, consequentemente, de dependência química, que é a doença que pode ocorrer quando há o uso de drogas”, diz.

De acordo com o psiquiatra, não existem cursos como este, voltados para um público não universitário, fora do Brasil.

Poucas iniciativas públicas pelo tratamento de dependentes químicos

Ele lamenta que o setor público faça pouco pelo tratamento de dependentes químicos no Brasil. Jaber lembra que, de acordo com um levantamento da ONU de 2021, a pandemia de Covid-19 causou o aumento significativo de casos de pessoas com problemas ligados ao consumo de álcool e drogas no mundo.  

“Mudanças políticas trouxeram cenários diferentes em relação a esse problema no nosso país, de tal modo que não está havendo incentivo a esse tipo de tratamento. É possível que agora isso venha a mudar, mas até o momento o cenário não é bom para isso”, avalia.

Além da dependência química, ele cita a dependência de eletrônicos como um novo problema já diagnosticado. “Desde janeiro de 2022, portanto, há 14 meses, oficialmente, existe o diagnóstico de transtorno de jogos eletrônicos, inclusive no Brasil”, diz. “Esse transtorno leva a um aumento exponencial da procura pelo jogo, numa intensidade cada vez maior e com abandono progressivo de situações de lazer e situações acadêmicas na juventude. O jovem vai abandonando outras atividades, dando prioridade ao jogo”, conta o psiquiatra.

“Frequentemente, isso leva a alterações, inclusive orgânicas como, por exemplo, obesidade, vida sedentária, problemas posturais, porque o jovem fica muito tempo numa postura que não é a mais adequada. Finalmente, problemas psicológicos intensos, porque o jogo proporciona fortes emoções, mas afasta dos sentimentos. Então os relacionamentos familiares ficam muito comprometidos” analisa.

Apesar de o diagnóstico da doença ser recente, ele lembra que atualmente o tema da dependência de jovens a games é explorado pela novela “Travessia”, de Glória Perez, exibida na Rede Globo. Na trama, o jovem Theo, vivido pelo ator Ricardo Silva, se distancia da família e dos amigos, devido à sua compulsão pelos jogos eletrônicos.

Psiquiatra brasileiro dá curso em Paris para terapeutas que acompanham dependentes químicos