fonte: Rádio Tupi
O trajeto até a quadra é íngreme e tortuoso, com alguns desvios perigosos pelo caminho. Nada que impeça a presença de cerca de 20 jovens nas aulas de judô promovidas pela Instituto Cultural Haroldo Britto no alto da Favela da Rocinha, parte de um projeto social que há 25 anos oferece atividades esportivas a crianças e adolescentes da comunidade e também da vizinha Chácara do Céu. Sob a fraca luz de um único poste, os alunos absorvem, além da técnica, uma lição ainda mais importante: de cidadania.
“O esporte é fundamental no desenvolvimento de qualquer pessoa, e os benefícios não se limitam à parte física. O judô nos passa conceitos de disciplina, persistência, respeito ao próximo, perseverança e autoconfiança e cidadania”, diz o coordenador do projeto, Fernando Britto. “São ensinamentos que valem para toda a vida, dentro e fora do tatame”, completa.
Nascido e criado na Rocinha, Luiz Carlos Dias é um exemplo do potencial transformador do projeto, que conheceu ainda criança e do qual hoje, aos 38 anos e faixa preta, é professor. O menino que fugia das aulas deu lugar a um estudante dedicado, que descobriu um novo caminho. “O judô mudou a minha vida. Me deu disciplina, um rumo, uma carreira, amigos, princípios”, diz.
Sua história inspira os cerca de 80 atuais participantes do projeto, que tem atividades às segundas, quartas e sextas na Rocinha e às terças e quintas na Chácara do Céu. Entre eles, aspirantes a atleta profissional, como Miguel Cavalcanti, que sonha em participar de uma Olimpíada, ou simples amantes do esporte, como João Victor Dias, que vê no judô um instrumento de autocontrole. “Aprendi a ser mais tranqüilo e confiante”, explica.
Além das aulas, a instituição organiza visitas a pontos emblemáticos do Rio, como o Pão de Açúcar, e a eventos como a Feira da Providência. “Descobrimos que muitos dos nossos alunos nunca haviam saído da comunidade onde nasceram. Esses passeios são uma oportunidade de conhecer novos espaços e outras culturas, para que eles percebam o mundo e tenham uma perspectiva mais ampla sobre suas possibilidades”, analisa Britto.
Fundador da Associação, que leva o nome de seu pai, ele tem como meta imediata melhorar a infraestrutura física do projeto. As aulas, por exemplo, ocorrem em locais ao ar livre, tendo que ser canceladas em caso de chuva. Para esta e outras melhorias, vem firmando parcerias com instituições como a Clínica Jorge Jaber, especializada no tratamento psiquiátrico e da dependência química e que, desde o final de 2022, vem apoiando a idéia. “Essa ajuda é fundamental, inclusive para atingir mais alunos”, diz.
Para o psiquiatra Jorge Jaber, também faixa preta e diretor da Clínica, incentivar o projeto é uma forma de trabalhar na prevenção ao uso de drogas entre os jovens, um dos grupos mais suscetíveis à dependência. “O esporte nos ensina a cuidar do corpo, evitando tudo que possa prejudicar nossa saúde”, afirma.
Além da parte física, Jaber vê nos princípios do judô um caminho para o aprimoramento mental dos praticantes “A luta exige concentração, cuidado com os detalhes, requisitos que ajudam também a enfrentar os desafios da vida fora do tatame”, assegura. Para o psiquiatra, que quando a agenda permite ajuda também nas aulas, participar da iniciativa é uma maneira de contribuir com a evolução da sociedade como um todo. “Nós aprendemos a luta para nos desenvolver como seres humanos, mas aprendemos também que é preciso compartilhar este conhecimento em nome do bem estar comum. Esta é mais uma lição do judô”, conclui.