Aluna: Sidilene Rodrigues Silva.

Metáforas estão presentes no discurso de dependentes químicos participantes de grupos de ajuda mútua. Neste estudo, procurou–se identificar, através da análise do conteúdo do discurso de quatro participantes de um grupo de ajuda mútua de dependentes químicos, as metáforas relativas à dependência química e aos processos de recaída e de recuperação e suas relações com a teoria, implícita ou explícita, sobre dependência química, adotada por esses participantes. As entrevistas foram semi-estruturadas, gravadas e transcritas. Os resultados indicaram a presença de sete metáforas: duas acerca do processo de recaída, uma relativa ao processo de recuperação, duas acerca da dependência química e duas a respeito do grupo de ajuda mútua. Evidenciou-se uma congruência entre essas metáforas e o modelo de dependência química como doença crônica, nos moldes tradicionais do Alcoólicos Anônimos.
Metáforas estão presentes na linguagem cotidiana e, de acordo com Vosniadou e Ortony (1989), são analogias que nos permitem mapear uma experiência através da terminologia de uma outra experiência, contribuindo para a compreensão de tópicos complexos ou novas situações.

Cinco razões levam Moser (2000) a propor a análise da metáfora como um instrumento valioso na pesquisa psicológica: 1) elas influenciam o processamento da informação, nos processos de auto-reflexão, antecipação de ações e comunicação interpessoal; 2) são uma operacionalização confiável e acessível do conhecimento tácito; 3) são representações holísticas de compreensão e conhecimento; 4) as metáforas convencionais são exemplos de ação automatizada e, de sua análise, pode-se identificar uma determinada teoria implícita; e, por último, elas refletem processos de compreensão social e cultural.

Nos grupos de ajuda mútua, cujos participantes apresentam uma história de dependência química, é bastante freqüente ouvirem-se depoimentos de seus membros em que determinadas metáforas são utilizadas para descrever os processos de recuperação e de recaída, o significado da dependência como doença, e assim por diante.
, através da análise de verbalizações de dependentes químicos, emitidas em reuniões de um determinado grupo de ajuda, observaram o uso freqüente das seguintes metáforas: escalar uma cachoeira, carregar um fardo, reacender uma vela e estar com o pé na lama. As duas primeiras (cachoeira e fardo) destacam a necessidade da persistência diante dos obstáculos, o custo da resposta envolvido no processo de mudança de comportamento e de atitude frente à droga. A terceira (reacender a vela) se relaciona-se com uma concepção de dependência química como doença crônica e progressiva, ao enfatizar que, com o primeiro gole, reativa-se o processo de perda de controle: reacende-se a chama, finalmente, a metáfora do “pé-na-lama” faz referência a outras analogias: “lixo humano” e “vegetal”, associadas aos significados de perda da dignidade e da liberdade humanas a que a recaída pode conduzir.

Participantes: quatro dependentes químicos em processo de recuperação junto a um grupo de ajuda mútua há, pelo menos, cinco anos. Os quatro são do sexo masculino: um com 24 anos de idade, outro com 42, o terceiro com 45 e o quarto com 50.

Procedimento de coleta de dados: entrevista semi-estruturada. Iniciava-se com uma pergunta “O que é recaída, para ti?”. O entrevistador centralizava-se em questões que permitissem obter informações sobre o conceito de recaída, as condições que facilitam ou dificultam a recaída, exemplos do cotidiano do dependente. As entrevistas eram gravadas (gravador de som) mediante consentimento expresso do participante.

Utilizou-se para dois dos participantes (C e D) a técnica da recorrência, ou seja, após a análise de conteúdo dos dados obtidos na primeira sessão, retornava-se à segunda sessão, com o participante, visando ampliar ou retificar suas informações e pontos de vista.

Resultados:
Apresenta-se, em relação a cada um dos quatro participantes, uma síntese, através da qual se procura identificar as metáforas empregadas e suas possíveis relações com definições do processo de recaída e sua concepção a respeito da dependência química

1) Participante A

Este participante estabelece uma diferença entre resvalo (deslize ou escorregão) e recaída. O resvalo consiste numa perda momentânea do autocontrole sobre o uso da droga que pode levar o indivíduo à recaída, um estado mais prolongado do abuso de droga e que se caracteriza pela chegada ao “fundo do poço”

2) Participante B

A recaída é vista como uma manifestação (sintoma) de uma doença crônica (a dependência química), da qual o indivíduo é portador. Mantendo-se abstinente, o dependente consegue apenas silenciar momentaneamente a sua doença. O principal fator relacionado com o aparecimento desse sintoma seria a desatenção ou negligência em desenvolver as habilidades necessárias de enfrentamento diante das insinuações da droga, ou seja, ceder à tentação do “primeiro gole”

3) Participante C

Este entrevistado destaca o absurdo (paradoxo) da dependência química: de um lado, o dependente químico desejoso de evitar a sua destruição e, de outro, os empecilhos para abandonar a causa de sua própria destruição, o abuso de droga. Para ele, a resolução desse impasse está na compreensão da dependência química como doença crônica.

4) Participante D

Para este entrevistado, a dependência química é vista como doença orgânica (física) que se caracteriza pelo uso desregrado de determinada(s) substância(s) produzindo alteração neuronal e que, por sua vez, é manifestação (sintoma) de outra doença.

Como se pode observar, a análise do discurso dos quatro participantes revela com bastante clareza e de forma explícita uma compreensão sobre a dependência química e o processo de recaída, o qual se mostrou perfeitamente compatível com o modelo de doença que circula entre os participantes desse grupo de ajuda mútua, como verificamos anteriormente (Pick e Baus, 1996), bem como é comum encontrar no discurso de membros dos Alcoólicos Anônimos ou na literatura respectiva (Alcoholics Anonymous, 1977). Trata-se de uma concepção de doença crônica, segundo a qual, através do processo de recuperação, consegue-se apenas estabilizá-la, ou seja, ao “primeiro gole” pode-se novamente despertar o “demônio” que estava silenciado momentaneamente.

Referências:

ALCOHOLICS ANONYMOUS. (1977). Viver Sóbrio. São Paulo: Centro de Distribuição de Literatura de Alcoólicos Anônimos para o Brasil.

MOSER, K. S. (2000, June). Metaphor Analysis in Psychology – Method, Theory, and Fields of Application [22 paragraphs]. Forum Qualitative Sozialforschung / Forum: Qualitative Social Research [On-line Journal], 192). Available at: http://qualitative-research.net/fqs/fqs-e/2-00inhalt-e.htm

PICK, R. E. & BAUS, J. (1996). Análise de conteúdo de verbalizações de dois participantes de grupo de ajuda mútua de dependentes químicos relativas aos processos de dependência química e de recuperação. [Resumos] In: Anais da IV Semana da Pesquisa da UFSC, (p. 262). Florianópolis, SC: Imprensa Universitária.

VOSNIADOU, S. & ORTONY, A (eds) (1989). Similarity and analogical reasoning. New York: Cambridge University Press.

Fonte: www.Scielo.br

Metáforas e Dependência Química